quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O sábio ato de podar



                                                  
     Na jardinagem, a poda é concebida como uma prática necessária. É um corte grandemente positivo, uma ação que recorta da planta suas partes mais velhas ou fracas ou em excesso e, assim, viabiliza renovado crescimento.

    Nós, seres humanos, temos o incrível talento de complicar o simples, deixando de enxergar o claro e óbvio. Se nos lembrássemos de descomplicar, perceberíamos que temos muito a aprender com as outras vidas que dizemos ter “domesticado”, como os animais e as plantas. Com estas, por exemplo, podemos ver o viçoso efeito que uma poda bem feita pode causar.
  
      Pois, é mesmo importante aparar - não só espinhos, mas também as flores cujo botão já abriu-se em esplendor e decaiu-se em desgaste. Sem isso, a planta não vai para frente, a gente não vai para frente. É preciso cortar os excessos, os acúmulos que nos amarram, que nos empacam, para que possamos progredir. É essencial convidar o inesperado que traga suas belezas e surpresas ao desamarrar-se um pouco do planejado, permitir que a nova temporada de flores venha ao abdicar da velha.

      Às vezes, a gente tem dificuldade de desapegar. Desapegar, desapontar, dizer “não”, dizer “basta”, dizer “adeus”. Porém, passado o parto inicial de fazê-lo, a dor ardida e pontada que parece nos atingir no momento, quase sempre nos damos conta de que esta era mesmo a melhor coisa que podíamos fazer. Que nós nos libertamos, não só do que necessariamente nos fazia mal, mas também o que nenhum bem fazia ao somente ocupar espaço e assim nos impedir o movimento, a abertura mais larga de horizontes, a dilatação de fronteiras, o encontro com o novo que estava ali, apenas na esquina, nos esperando.
  
     Em suma, meus amigos, podemos. Podemos dores que vem se arrastando metálica, fria e barulhentamente como correntes. Podemos amores que não correspondem, que não valem a pena, que mais fazem sofrer do que sorrir. Podemos amigos que não mais nos amigam, ou que querem nos amigar a caminhos que não queremos seguir.

     Podemos tralhas que atravanquem o guarda-roupa, livros que não leremos mais, roupas cujo vestir incomoda. Podemos tudo o que está embrenhando a nossa vida. Deixemos que o chão limpo, a terra fecunda, os galhos renovados e fortes nos tragam floradas mais brilhantes, façam o sol entrar sem limites e sem ressalvas.

domingo, 27 de dezembro de 2015

1 ano de blog



       26 de dezembro! Aniversário de quem? Do blog.

      É isso mesmo. Faz já um ano que o "Pensar, que perigo!" está no ar. E pra comemorar, eu vou fazer diferente. Nada de reflexões, nem de desabafos, nem de palavras bem trabalhadas. Hoje é dia de agradecer.

      Afinal, que seria dessa página sem as pessoas que a lessem, que pensassem com ela, a partir dela, se entusiasmassem por ela? Ela simplesmente não seria.

       Esse ano de blog coincidiu com um ano agitadíssimo pra mim, de modo geral. Cheio de mudanças, um sacolejo atrás do outro, novidades das mais intensas. E os melhores desses acontecimentos foram justamente as pessoas que estiveram neles. 

       Então, a um certo moço feito de sonho que encontrei no ônibus e à sua irmã; ao meu irmão mente-gêmea, à estrela tímida que brilha com a voz, à rebelde que lê mapas astrais. À sua majestade do Brasil, e toda a família real que tive o prazer e o privilégio de conhecer (nem a d. Lóri ficando de fora), à vó artista que ganhei de presente. Ao Tucídides nacional e toda sua turma da cozinha. À uma paulista extremamente carismática e ao grupo que conheci com ela. À uma jornalista-aprendiz que me foi guia e inspiração, a uma futura dentista cuja doçura pode causar muitas cáries. Aos trilheiros todos, em cuja rede eu caí feliz da vida, que têm sido uma alegria supimpa. Muito obrigada!     
 
       Aos amigos velhos, como diz a música, "eu desejo sorte". E agradeço Muito também. Destaco aqui um anjo disfarçado de amiga que tem cabelo mais cacheado que o meu e olhos verdinhos, com seu apoio lonjo, singelo mas forte; e um bacharel pós-moderno, com suas palavras estrondosas e comentários críticos.

      A uma brasiliense naturalizada, aos tios fofinhos. Aos professores Fan-tás-ti-cos que tive este ano, que me ensinaram muito e, principalmente, me incentivaram a não parar de pensar.

      E, por último, mas em primeiro, aos maiores professores que tenho e jamais poderei ter: meus pais. E, é claro, ao espetáculo de luz do ano, à princesa herdeira, diva 2.0.

      A todos, meu agradecimento. Esta página, que ontem soprou velinhas, existe por vocês e para vocês.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Tempo de aprender com o tempo

                                                                   

      Engraçado... Esses dias fui perguntada se não faria uma postagem especial, atípica, acompanhando o tempo... o tempo... É natal, afinal, não é? Ou quase. E logo depois dele, encostamos no parapeito de um novo tempo, o ano próximo... É, talvez valha mesmo uma reflexão diferente.

       Assisti a um filme dia desses que talvez aqui se encaixe. "About time" conta a história de um moço, Tim, que pode viajar no tempo, assim como todos os homens de sua família. Não pode ir ao futuro, é claro, nem mudar o mundo todo no passado ou fazer revoluções... Mas, pode sim mudar sua própria vida, ao viver alguns certos seus momentos novamente, fazer diferente.

       A mensagem final do filme é a seguinte: não precisamos voltar no tempo. Não precisamos de segundas chances. Precisamos viver bem a primeira. Reparar as pequeninas belezas do nosso dia que às vezes, no corre-corre, deixamos passar batido. Não dizer aquela palavra rude que podemos trocar por uma mais leve, evitar o horroroso e velho "cair no automático". Rir todos os risos, chorar todas as lágrimas, abraçar todos os braços e todos os abraços. Tomar tempo para si mesmo, para quem você ama, deixar o trabalho para lá um pouquinho, a preocupação, a exigência... Deixar a opinião dos outros, a exigência, a vergonha... No final, nada disso vai importar. Só vão restar mesmo as lembranças, as lembranças sorridentes dos sorrisos calorosos, dos momentos luminosos, perfumados, saborosos...

      Se eu tivesse que definir, diria que este tempo do ano é, mais que todos os outros, tempo de lembrar. Voltamos todos para casa, então, para nossas raízes, nossas origens, a família - que tem em si, quase sempre, nossos primeiros amigos, primeiros amores, primeiros horrores... Voltamos e vamos embora, com a lembrança talvez reavivada, desta que é uma beleza preciosa da vida da qual às vezes nos deixamos esquecer, mas não devemos.

    Vamos viver, meus amigos, o tempo de lembrar. Lembrar de que, em termos de laços, a idade é sim documento. Ela os torna mais fortes, difíceis de desatar. Lembrar de que família não é só para a hora do aperto, nem do casamento do primo distante. Lembrar que a gente só vive uma vez, sem replay, nem teste, e por isso, tem que tentar fazer... bem feito. Tão bem feito quanto pudermos.

      Lembrar que o mundo lá fora pode esperar que nós meditemos e relaxemos. Que nada pode ser mais urgente do que a nossa paz. Lembrar de não se furtar de pequenos prazeres de grandeza imensurável - que seja a leitura de um livro, o ouvir uma música, um beijo bem dado, a lambida do vento ou de seu canino melhor amigo. Lembrar de sempre trocar uma carranca por um sorriso, um silêncio sério por um silêncio alegre, um olhar vazio por um... cheio.

      Não esquecer que as melhores delícias são aquelas saboreadas aos pouquinhos, e que viver é uma delas. Não esquecer que grandes pessoas se mostram através de pequenos gestos, grandes amores se demonstram por pequenos atos, grandes mudanças se realizam nas pequenas ações. Não esquecer que... bem, nós esquecemos de perceber todas essas pequenas coisas porque passamos muito tempo preocupados com as grandes. Ou as que parecem, só parecem, maiores.

      Então, vamos lembrar. Anotar mesmo na mente, no peito, na alma. Por mais confusa que ande nossa memória por conta das tantas coisas de que precisa dar conta, existem algumas certas lembranças que não podemos deixar empalidecer, temos que ter sempre frescas, sempre vivas com a gente.

      Acima de todas, a lembrança de que o tempo de viver é agora. E que sempre também é tempo de aprender com o tempo.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A difícil jornada de crescer

                                                                      

      Todo mundo conhece a história do Peter Pan, o menino que não queria crescer. (Quase) todo mundo que conhece a história do Peter Pan em algum momento da vida já foi criança e, como tal, desentendeu sua maluquice. “Como assim ele não quer crescer?!” pensamos, quando pequenos. “Eu quero crescer sim! Estou doido para ser grande! Não vejo a hora de poder brincar do que quiser a hora que quiser, sem ter ninguém me dizendo o que fazer, sem ter de pedir permissão pra tudo, e podendo comer sobremesa antes do almoço sem ter que fazer isso escondido pra não receber xingo.”

    Creio que é geral a comoção que nos arrouba quando enfim começamos a “ser gente grande” e sentirmos o completo reverso. “Por que mesmo eu queria crescer? Ah, não! Agora que cresci, quero voltar...”

    É. Crescer não é tarefa fácil. De minha parte, acho que justamente esse processo de crescer é árduo. Mais do que o momento de ser pequeno e o momento de ser grande, a ponte entre eles dois.

    Toda transição é difícil. Toda mudança sacode a gente. E essa não está nem perto de figurar entre as exceções que comprovam a regra. É agridoce, delicado e espinhoso esse período em que coexistem resquícios das delícias da infância, que ameaça afinal terminar de escapulir, e as durezas da adulteza, que entretanto ainda não é completa. Encaramos toda sorte de desafios, saboreamos inúmeras e confusas sensações novas - com as quais desastradamente tentamos lidar - no tempo em que já somos velhos demais para sermos cuidados totalmente por nossos pais, e ainda jovens demais para cuidarmos sozinhos de nós mesmos. O tempo em que ainda podemos gritar socorro aos pais num caso de urgência, chororô ou aquela gripe, mas já não podemos pedir a eles que venham, todas as noites, contar histórias seguidas de um beijo na hora de dormir, nem que nos dêem todas as respostas prontas. Nós temos que começar a encontrar as nossas próprias. Tomar nossas decisões quanto à nossa própria vida - e isso nesse difícil momento em que tudo é descoberta, novidade, instabilidade.
   
    Como as crianças, que estão descendo do ninar seguro dos pais para o chão e assim têm que aprender a andar, cair e levantar nele - que por vezes é duro, frio, escorregadio - nós, viventes dessa senhora jornada de crescer, estamos descendo do colo da infância para sermos jogados no assoalho da vida, onde também temos que descobrir o mistério de andar, cair e tornar a levantar. Nós também temos mãos que nos ajudam a cambalear os primeiros passos, e nos acompanham até que nosso andar seja firme. Porém, estamos, desta vez, nos preparando para sermos independentes dessas mãos e, mais do que nunca, realmente andarmos com nossas próprias pernas.

    Como as crianças, que estão descobrindo o maravilhoso (e cheio de farpas) mundo da convivência, aprendendo a aceitar o fato de que não são as únicas no mundo, não podem ser o sol em torno do qual a atenção de todos revolve-se, nós também estamos lentamente engolindo a dura verdade de que, uma vez fora de casa, não temos a proteção dela. Não encontraremos facilmente a segurança e o aconchego que tínhamos nela, nem somos tão especiais e queridos e únicos fora dela como outrora nela fomos.

    Ninguém nos disse que seria fácil. E realmente não é. Mas, em contrapartida, poxa vida, ninguém nos disse que seria tão difícil...

    Pensando em metáforas, podemos dizer que esse período da vida é uma espécie de “Cabo das Tormentas”. Antes dele, estamos na terra-mãe, seguros e confortáveis, queridos e amados. Passando por ele, sofremos alguns belos perrengues e sacolejos, experimentamos paisagens e sons e gostos e sensações lindas e, por outro lado, choques e descobertas e surpresas que nem sempre nos agradam. Em certos pontos, vivemos uma turbulência tal que nos desestabiliza por inteiro. Depois dele, todavia, descobrimos inéditas cousas de beleza estonteante. Temos enfim a chance e a permissão de viver grande parte daquilo que sempre almejamos, os benefícios e deleites e prazeres que - quando pequenos - sempre imaginamos próprios a tão lonja de nós, e tão legal, idade adulta.

    Em suma, não existe remédio, nem magia que possa interferir nesse processo por nós. E isso é bom; significa que teremos uma existência completa. Quem é pequeno, cresce. Quem já cresceu, amadurece, ou envelhece. Quem já envelheceu... um dia deixará de existir. A vida é assim. Sábio de nossa parte, portanto, já que não somos Peter Pans, é aceitar isso. Aceitar, entender, abraçar, tentar lidar com isso da forma mais tranquila e saudável possível.

    Sábio de nossa parte é enxergar que, como absolutamente tudo na vida, cada uma de suas fases tem seus lados bons e seus lados não tão bons. Suas cores e seus cinzas, seus desbotados e seus brilhos, suas festas e suas lágrimas. E o melhor que temos a fazer é aproveitar cada minutinho, cada pequeno instante, viver plenamente cada um dos momentos e cada um dos períodos, sempre procurando fazer com que, no final balanço, os encantos prevaleçam, os sorrisos predominem, as memórias sejam em maioria saborosas, de tempero leve, gostinho doce.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O lado bom da inveja

                                                                   
        
      Ai, que inveja! Ô, invejinha...

    Quem nunca disse isso? Quem nunca sentiu aquela pontadinha de inveja, aquele “poxa, se pudesse ser eu” bater ao encontrar alguém em alguma situação que gostaria muito de estar?

    Invejar é desejar aquilo que o outro tem. Pode ser uma casa, uma espécie de posse, uma situação, um talento ou dom. A inveja é aquela sensação que todos conhecemos mas, curiosamente, nunca falamos sobre. É aquilo que ninguém debate, ninguém gosta de admitir, confessar ou compartilhar. Parece desavença de família mineira (que adora evitar um confronto direto), pois todo mundo sabe que está acontecendo, todo mundo sabe que todo mundo sabe que está acontecendo, mas, se perguntados sobre, todo mundo nega, ninguém sabe de nada. É um segredo aberto - amplamente sabido, mas nunca discutido.

    Isso acontece, eu acredito, porque nós temos vergonha. Temos vergonha de admitir que temos inveja porque fazer isso é revelar aquela parte de nós que mais queremos esconder - a parte egoísta, mesquinha, que não se regozija no sucesso do outro mas olha para ele e pensa “poderia ser meu”. Todos parecemos assumir que a inveja é algo ruim, feio, imoral, um “pecado”, e tentamos ocultar ao máximo, inclusive de nós mesmos, que somos tão íntimos conhecidos dessa sensação.

    Eu discordo dessa geral concepção. Discordo bastante. A inveja não é necessariamente ruim; pelo contrário, a inveja é também muito boa. Aliás, a bem da verdade, a inveja é neutra, e pode ser tornar positiva ou negativa de acordo com o modo como lidamos com ela.

    Pois, nós podemos ver a bela vida e o sucesso de alguém e sentirmos pura, puríssima inveja, e a partir dela começarmos a depreciar a bela vida e o sucesso que já temos. Podemos, assim, virar ao pessimismo e à descrença como nossos sentimentos carros-chefe perante a nossa vida; junto com ódio, límpido e cristalino ódio, por esse alguém, por ele ter alcançado tudo o que sempre desejamos mas nunca conseguimos. Viver a inveja assim, a meu ver, é burrice, um mal que causamos a nós mesmos, e que em nada diminuirá o mérito ou as conquistas das pessoas que invejamos.

    Podemos reagir à inveja, também, neutramente, com um simples balanço de ombros, tocando a vida para frente. Eu reajo assim, por exemplo, quando vejo imagens de guarda-roupas perfeitamente arrumados em revistas de decoração. Sabe aquele armário ordenadinho, setorizado por tipo de roupa para cada tipo de ocasião ou estação, o espaço bem aproveitado e os pertences impecáveis, cada um em seu lugar? Pois é, nunca consegui fazer o meu ficar desse jeito. Eu não funciono assim, não consigo. Quando eu abro meu guarda-roupas, tenho a sensação vívida que ele carrega sequelas de algum furacão misterioso que passou por ali e mais nenhum outro lugar do mundo. E isso é algo que já desisti de tentar mudar. Aceitei o meu desastre e a minha falha. Eu nunca terei um guarda-roupas arrumado (o que não me impede de continuar suspirando quando vejo um) e vivo bem com isso. Essa inveja, eu creio, é inofensiva. É natural do ser humano desejar coisas, buscar, e bom que se acostume a simplesmente não conseguir ter tudo o que deseja e busca.

    Por último, podemos fazer da inveja um trampolim, um motor, uma força que impulsiona, e a partir dela canalizar esforços para conseguirmos o que queremos, inspirados no sucesso de um outro. Pois, se olhamos para qualquer profissional bem-sucedido e feliz, e sentimos que o invejamos, então esse pode ser um ponto de partida para construirmos o nosso caminho, seguirmos seus passos, fazermos por onde para, um dia, chegarmos a onde ele está. (E não é que queremos destroná-lo, ou roubar dele tudo o que já conquistou; só que desejamos ocupar um espaço semelhante ao dele). Reagir à inveja assim é saudável, porque ela se torna uma inspiração parte de uma ambição, e ajuda-nos a reconhecer onde estamos, onde queremos estar, e o que precisamos fazer para atravessar a ponte entre esses dois pontos.

    Em suma, tadinha da inveja. Tanta gente condena - e está pronto para apontar no outro, enquanto resoluto de que jamais praticou - o tal “pecado” da inveja. Mas, cabe aqui uma reflexão quanto aos valores que atribuímos a ela, se eles são intrínsecos e indissociáveis a ela ou se são - como a maioria dos valores - apenas construções que fazemos, que podem e devem ser questionadas e modificadas.
   
    Como qualquer outro sentimento, se intenso, a inveja pode ser doentia, corrosiva, pode consumir-nos por inteiro. Pode, também, não ter sobre nós efeito algum, se nós não lhe permitirmos isso. Ou pode ser extremamente positiva, nos mover para frente, dar novo ânimo ao nosso objetivo, um norte mais claro para as nossas metas.

    A inveja pode ser muito má ou muito boa. Tudo depende de como reagimos a ela, do como agimos a partir da picada dela. De como nos comportamos quando espetados por esse que é um sentimento tipicamente humano e está longe de encontrar seu fim entre nós.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A beleza da dúvida

                                                                    


    O professor é o artista que nos ensina a perguntar.

    Eu tive um sublime professor que, face a qualquer problema, dilema ou encruzilhada que enfrentávamos dizia “Acalmem-se, vocês estão no caminho certo. A gente sempre chega mais fácil na resposta através da dúvida do que da certeza.”

    Pouca gente entendia a serenidade com que ele manejava as nossas dúvidas. “Como assim, professor” silenciosamente queriam muitos protestar “esse turbilhão de inquietações pode ser bom? Como pode esse amontoado de indagações fervilhando na gente, ardendo na gente, tirando o foco e o sossego e o sono da gente, ser o caminho certo - justamente para sair disso?”

    Ele estava certo. Como quase sempre, ele estava docemente certo. 

     Equivocadamente, muitos de nós queremos respostas fáceis. Sem reflexão, sem dor, sem inquietude alguma. Sem interrogações. Queremos cair na trilha da resposta sem passar pelo túnel das perguntas. Dele, fugimos desembestadamente. E não é à toa. O solo dele é pedregulhoso. Ele é mal iluminado, misterioso, causa ruídos desconhecidos, nos leva a sensações de medo, insegurança e consternação. Estar dentro dele não é confortável; ele incomoda a gente. Entretanto, como bem dizia o professor, ele é mesmo - por tudo isso - o melhor caminho.

    Pois, quando estamos em busca de respostas, de afirmativas que terminam em um ponto (definitivo), nada melhor do que o estado da angústia, do desnorteio, do alerta ansioso da perguntação; nada melhor do que a convicção do não saber. É quase sempre preciso ensopar-se num mar de perguntas primeiro para depois velejar na calmaria da resposta. E, mesmo nela, vejam só, volta e meia bate uma ondinha de interrogações para nos fazer balançar. E, ao contrário do que parece, esse balanço é muito bom.

    A certeza absoluta faz a gente estagnar. A dúvida meneante faz a gente se mexer.

    A certeza faz a gente se acomodar. A dúvida, em contrário, faz a gente se incomodar. A dúvida é uma espécie de caminhão de mudança.

    A certeza faz a gente se fechar. Botar uns óculos estreitos e enxergar só através deles. Ela nos encaminha os olhos, encabresta o olhar, fá-los parados numa direção só. A dúvida, por seu turno, nos abre os olhos, escancara o peito, sacode o âmago. É o tampão retirado. Faz a gente vislumbrar as possibilidades, não só, mas também fitá-las com carinho - talvez flertar com elas. Faz a gente se assustar primeiro com a luz, a largueza e a amplitude da vista, para depois se admirar com a plenitude tão bela dela.

    A certeza faz a gente ver um destino, ou inventá-lo. A dúvida faz a gente ver escolhas, e escolher direito.

    A certeza parece decidir por nós, ser inquestionável. A dúvida nos lembra da nossa responsabilidade.

    A certeza nos faz pingar pontos finais em sentenças muitas vezes inacabadas. A dúvida deixa sempre abertas um punhado de reticências... Elas que são continuadores milagrosos do discurso, deixando sempre o perfeito espaço do completamento, seja ele no sentido de arremate e final acabamento ou de guinada em mudança.
   
    A dúvida, enfim, me parece um lugar muito melhor para o ser humano do que a certeza, ou a sensação da certeza, esta que rói sorrateira as possibilidades de permuta, melhora ou metamorfose. A dúvida é o provoque perfeito a este bicho-homem, tão incompleto e tão imperfeito, para que ele saia do lugar e admita-se uma obra em progresso sempre. Para sempre.

    Como também bem dizia um certo meu sábio professor.
                                                                                                

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Muda de roupas

                     


    Um sábio amigo um dia me disse “a gente só veio aqui para buscar uma muda de roupas. A gente nasce pelado e morre vestido.”

    Eu confesso que achei esse um dito muito curioso, e por isso também muito belo. É um frasear diferente da certeza que nós todos temos (e ainda assim de quando em vez esquecemos) de que estamos aqui só de passagem. É breve a nossa estadia neste mundo - breve, curta, frágil, fugaz, muito mais do que poderíamos desejar. E, mesmo assim, ela existe, ela é, ela vale. Ela não é menor por ser fugaz, pelo contrário - a maioria das coisas mais belas e mais sublimes também o são.

    Por isso mesmo, por ser tão bela e tão fugaz, a nossa vida é preciosíssima. E é tolo de nossa parte desperdiçá-la com aquilo que não importa de verdade, apenas parece importar; é tolo - tolo, frívolo, inútil - elevarmos a nossas prioridades apostos que não traduzem, fazem justiça a ou significam a essência das pessoas. Das pessoas, da vida, de tudo.

    O que estou tentando dizer, meus amigos, é o seguinte: se a aurora da vida e o limiar da morte nos nivelam, nos fazem iguais, ilustram o quanto estamos todos de fato na mesmíssima condição, por que, no precioso caminho entre esses dois pontos, nós nos fazemos desiguais? Por que erguemos divisórias, criamos hierarquias, inventamos distinções, que de nada servem realmente senão para nos fazer a todos isolados e infelizes? Por que insistimos em valorizar o que não tem valor nenhum, o que é tão significativo quanto gotas de fumaça?

    Creio que estamos muito precisados da filosofia da muda de roupas por isto: precisamos nos lembrar do quanto é frágil a ponte entre a hora da vida e a hora da morte, o quão importante é cada momento, cada vivência, cada presença que nos acompanha nessa travessia. Lembrar de que o valor das pessoas não está no seu mundano preço, na sua cotação, e sim em si mesma, no que ela tem de bom em si e no quanto faz aqueles em seu redor felizes.

    Precisamos enxergarmo-nos a nós mesmos e uns aos outros in natura, considerar pessoas ao invés de seus títulos. Porque esses títulos são apenas predicados pós-vírgula que podem ser retirados, acréscimos que podem ser diminuídos, explicações... que não valem, que nada dizem, pouquíssimo significam. Porque esses títulos, como as mais supérfluas coisas, muito facilmente se esvaem...

    Todos nascemos iguais e morremos iguais, virando pó e lembrança... E, como tal, por um acaso a marca ou qualidade da roupa que for deitar-se conosco na terra para o último sono importa? Ou mesmo a madeira da derradeira envoltória cama, e os enfeites nela? Ou mais importante será então o bem que fizemos, os sorrisos que promovemos, o riso que compartilhamos, a intensidade com que vivemos, os momentos que com nossos amados passamos, a boa memória que deixamos?

    Alguém de nós duvida, meu leitor, da inutilidade do acessório? Da pequenez do detalhe, se comparada à virtude da essência? Do quão frivolamente mundanas e sem sentido são as linhas escritas num crachá, a quantidade de algarismos numa tela de banco? De como eles nada significarão, uma vez que estivermos... idos?

    Nós todos temos, caros amigos, pouquíssimas certezas na vida. E uma delas é a de que estamos aqui só de passagem, em viagem curtinha, com o propósito final de buscarmos uma única muda de roupas. Que façamos bom uso da (cons)ciência dessa certeza, aproveitemos essa viagem e não a desperdicemos. Que tomemos bom tempo em cada estação, observemos o encanto de cada parada, aspiremos cada perfume e cada melodia. Que abracemos cada viajante em nosso redor e, sobretudo, façamos valer cada passagem por cada cantinho.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O poder das palavras

                                                              

                                                          
     Eu gosto de palavras. Gosto das palavras.

    Gosto de como elas não nos pedem permissão para ser. E gosto de como não somos nada sem elas. Como nós lhes pedimos permissão para ser.

    Gosto de como elas nos são companhia, companheiras cantantes quando só há solidão em volta. Gosto de como elas nos alegram, têm o poder de nos fazer sentir bem. Gosto de como fazemos amigos por elas. Através delas, com elas, por elas.

    Gosto de como elas são canaletas de nossa vida, via pela qual vivemos, caminhos pelos quais nos enveredamos - e expomos e abrimos, nos expressamos. Ou nos escondemos.

    Gosto de como elas são extensões de nós mesmos.

    Gosto de como são plurais. E foguetórias. E várias. E cativantemente bêbadas. E maleáveis.

    A maleabilidade das palavras é um encanto, seu encanto. Encanto permanente, sólido. Graciosamente perpétuo.

    A maleabilidade é o estado físico natural da palavra pura. Em quaisquer graus. Condições milhares de temperatura e pressão.

    Com as palavras, podemos brincar, podemos dançar... Com as palavras, podemos sonhar.

    Gosto de brincar com as palavras, de dançar com as palavras, na pista das palavras, sob a luz das palavras, a música das palavras. Sentindo o gosto das palavras, o cheiro das palavras, o aperto das palavras, o pulso bailante das palavras.

    Gosto de como podemos contar as palavras. Novelizar as palavras, cronicar as palavras, romancear as palavras. Rimar as palavras, cantar as palavras, versar as palavras. Poetizar as palavras, poemar as palavras. Namorar as palavras, casar as palavras, separar as palavras, divorciar as palavras. Rejuntar as palavras.

    A palavra é um universo inteiro.

    Uni-verso.

    Palavra.

    Gosto de como podemos cozinhar as palavras, temperar as palavras, beber as palavras. Fritar as palavras, untar as palavras, besuntar as palavras, saborear as palavras, sublimar as palavras. Evaporar as palavras. Misturar as palavras. Reservar as palavras, congelar as palavras, descongelar as palavras. Aquecer as palavras, aquecer com palavras. Servir as palavras. Dividir as palavras. Alegrar com as palavras, satisfazer com as palavras, fazer sorrir com as palavras. Fazer sorrir, ou engasgar. Ou tossir.

    Gosto de como podemos morder as palavras, mastigar as palavras, engolir as palavras, digerir as palavras. Excretar as palavras.

    A palavra é alimento. Dê-me pão, dê-me água, mas dê-me palavras também.

    Palavras doces, por favor. Amargas, não. Palavras cremosas e leves. Não duras, nem ásperas, nem secas, nem pesadas.

    A palavra é a nutrição da alma. Alma que encontra seu par nas palavras, sua voz nas palavras, seu silêncio nas palavras. Alma que se encontra nas palavras, o palco maior de sua colorida existência. Um espetáculo.

    As palavras encantam. Cantam, ninam, embalam, adormecem. As palavras dão colo. As palavras afagam. As palavras acalmam. As palavras são bálsamos, carícias, beijos e abraços. Carinhos que confortam.

    As palavras revoltam. Incomodam, perturbam, inquietam. Entristecem, melancolizam. Questionam, respondem - ou não respondem. As palavras desnorteiam. Fazem coçar, fazem chorar, sacodem. As palavras fazem amor, e a revolução. Viva à revolução!

    As palavras são minas. Minas de ouro, minas de prata, minas de amor. Minas de ódio. Minas de inveja. Minas de ternura, de carinho, de amizade. Minas de beleza. De beleza são, para sempre, uma fonte incontrolável.

    Palavra - palavrar, palavrei, palavramos. Palavraremos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Exceção

                                                                    

    Todos querem preto, eu quero branco
    Todos querem confuso listrado
    Eu quero sem estampa
    Eu escrevo sem maquiagem,
    como vivo

    Metade é do azul, metade é do vermelho
    Ferrenhamente, como tigres em duelo
    Entre os dois, estou eu, quase só
    A levantar a bandeira verde, a bandeira branca
    Sem entender
    Porque não parece haver mais gente
    que gosta dessas cores
    ou de lilás

    Todos querem telas, eu quero páginas
    Quero lápis, grafite
    Quero cheiro, textura, novidade ou velhice,
    branca ou amarelada
    pálida ou coradinha
    em papiro ou em pedaços
    Eu quero beijos e abraços, quero olhos,
    quero riso, quero toque e conversas
    Eu quero dançar a vida no seu palco principal
    Não consigo me conformar ao ver que tanta gente
    prefere o palco suplente
    Acessório, indireto
    O dublê

    Todos querem ^, cê, vc.
    Eu quero você.
    Vosmecê, vossa mercê, você. V-O-C-Ê
    Quero você por inteiro
    Nítido e claro, risonho e límpido
    Soletrado, e deliciosamente demorado.
    Num beijo heróico, dado retumbante
    O tempo que for necessário
    para ser completo
    Eu sou meio do contra
    Não gosto de abreviações

    Todos querem cobertas demais.
    Cobertas, almofadas, xales, lenços,
    travesseiros empilhados, ar condicionado
    Eu quero sobre mim somente o manto do céu
    Não entendo porque mais gente
    Não entende a liberdade nisso
    Não quer a liberdade disso

    Todos querem demais ornamentos
    Todos querem ornamentos demais
    Eu não quero ornamento
    Fruru, decorado, enfeite, gracinha,
    penduricalho, balangandã
    Eu não quero ornamento nenhum
    E uso inclusive um pleonasmo para sublinhá-lo

    O único ornamento que eu quero
    É o que todos querem fazer despir
    Simplificar, empobrecer, empodrecer,
    sintetizar, mediocrizar
    enxugar
    Eu quero o ornamento
    Da língua
    Da saliva quente
    Da voz ardente
    Do silêncio insolente
    Da palavra atrevida
    Ah, palavra!

    Quero ornamento da língua
    Da língua múltipla,
    Da linguagem diversa
    Da cantoria
    poetizada, poemimada
    Do idioma dançado
    Carnavalizado
    Metamorfoseado
    Batucado ou soprado
    Em novo arranjo
    Guitarra não elétrica
    Humana

    Eu pareço querer tudo ao contrário.
    O mundo está doido,
    Colônia
    Eu não.
    Eu sou perfeitamente sã
    Barbacena!

    É difícil, é custoso
    É doído, é uma peleja
    Mas tenho que me acostumar a ser
    O que sempre fui
    Exceção
   

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O amor não é cego

                                                               
                                                             
  Dizem por aí que o amor é cego, e é curiosamente lindo por isso mesmo. Como um vírus, poderosíssimo e arrebatador que, quando tem sua carga viral muito alta no corpo do doente, tem o poder de anuviar e confundir sua visão quanto a tudo relacionado ao seu amado. É nesse sentido, creio, que dizem que o amor é cego. Ele cega.

    Francamente, eu preciso discordar disso. Nunca ouvi abobrinha tão enganada, embora seja bem possível que também não tenha ouvido uma tão bonitinha.

    O amor não é cego. Não tem nada de cego, nem poder de cegar. Na verdade, o amor enxerga tudo, e muito bem.

    Isso a que nós nos referimos quanto dizemos “o amor é cego” é, na realidade, paixão. É ela a potência cegadora, a força que nos faz enxergar uma certa pessoa sob uma única lente, que é a da perfeição. É ela que nos faz achar − ou, aliás, firmemente acreditar − que a criatura despertadora dos nossos suspiros nem é criatura, de tão perfeita; é de fato um anjo que caiu extraviado na terra, e foi colocado em nossa vida para enchê-la de luz. O anjo pelo qual estamos apaixonados é (ou torna-se, porque assim nós o fazemos) lindo, inteligente, doce, a mais luminosa presença que já pôs os pés na terra, a reunião de todas as qualidades num único ser. Ele simplesmente não tem defeitos, e ai de quem ousar insinuar algo nesse respeito!

    É... A paixão é mesmo cega. Mas até que essa é uma cegueira bastante gostosa de experimentar, uma cegueira boa. Acredito que, inclusive, chegamos a ficar levemente tristes quando ela passa...

    Quando ela passa, costuma dar lugar a algo mais robusto, mais completo, e também infinitamente mais complicado, que é o amor. A paixão, meus amigos, pode não ser nada além disso, ela mesma, uma emoção excitante, linda e passageira, ou pode ser a primeira fase dessa jornada longa, difícil e cheia de desafios no jogo da vida que é o amor. Esse que, em verdade, não tem nada de cego.

    Quando digo que o amor não é cego, digo sem titubeios e sem medo de errar. O amor não é cego, nem parcialmente, nem completamente, nem minimamente. O amor tem olhos em perfeito funcionamento − olhos bons, olhos sábios, olhos pacientes, olhos cheios de sorriso e cheios de perdão. Olhos que aceitam, que entendem, que às vezes se reviram em divertimento, às vezes querem saltar das órbitas em indignação e raiva, ou fecharem-se desanimadamente em tristeza.

    O amor enxerga, sim senhor! Enxerga tudo, em visão clara e límpida. E ele não é amor porque ama apesar de, dos defeitos, das feiuras que vê, das contradições que é forçado a mirar, dos desapontamentos com que topa e que, sabe, não vai esquecer tão cedo.

    O amor é amor porque ama com tudo isso, incluindo tudo isso, porque aceita o amado por inteiro, no todo, o conjunto de partes, sem deixar nenhuma de fora, nem mesmo aquelas de que menos gosta e que, no fundo, preferiria que não existissem.

    As íris do amor são coloridas num raro tom de sabedoria que é o que permite sua existência e o que faz sua beleza. Pois, o amor olha apenas de soslaio, de relance, ou fazendo descarada vista grossa ao que sabe que o magoará porque sabe que só assim ele pode existir e perdurar. Todo ser humano é falho, estupendamente falho, e o amor sabe que o quanto antes aceitar isso − em si mesmo e no outro − e souber lidar com isso, melhor.

    O amor é belo justamente porque nem sempre perfeito, porque se reconstrói, porque renasce e continua, porque admite erros e permite metamorfoses. Porque se permite metamorfoses. O amor nunca perde de vista o fato de que é inconstante, mutável, dinâmico, em constante movimento e transformação, e que não pode ser de nenhuma outra maneira. A gente muda. O outro muda. A nossa relação com o outro muda. Assim, é impossível que os sentimentos e as percepções envolvidas nela não mudem, também.
   
    As estações da vida não se repetem, como num ciclo. Elas só progridem. Não é possível voltar à infância, à juventude, avançar à adulteza ou à maturidade ao só esperar o passar dos meses. Tampouco, passada esta fase, é possível voltar com a mesma pessoa que se conhece há dez anos à paixão dos primeiros dias. Não é possível, e o amor sabe disso.

    Ele continua, no trilho da vida que só anda para frente, e para tal, precisa se adaptar. Essa adaptação (ele sabe, embora nós nem sempre saibamos) não precisa significar negativamente um empalidecimento, um desgaste, uma "perda de toda graça", como o gosto do chiclete já muito mascado. Pode ser somente uma reinvenção, uma nova fase, um período diferente − com suas belezas e suas feiuras, como todos os anteriores períodos também tiveram.

    O amor, meus amigos, não é cego. O amor vê muito bem, sem precisar de óculos, ou lentes, ou cirurgias, ou correções. Ele vê todo o espinho e toda a flor da paisagem, assim como toda sua cor e todo seu cinza. Ele vê as partes do terreno inférteis e aqueloutras mais férteis, vê todos os meses de seca e todos os meses de chuva. Vê todas as nuvens nervosas e emburradas no céu e todos os sóis, risonhos e claros. Vê o cobertor celeste do teto do mundo nublado, e fechado e soltando raios, e sabe que ele passará. Assim como o vê sereno e límpido, claro e azulzinho, e sabe que também passará. Que nada permanece o mesmo para sempre.

    O amor vê tudo, todos os vagões de seu trem comprido, que pode caminhar por muito se for bem conduzido. Se aqueles que estiverem a bordo souberem olhar, apenas, com os olhos do coração, que não é cego, nem surdo. É vibrante, é vivo, é forte, é lindo. E tem um jeito todo especial, fascinante e necessário de olhar...

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Redes sociais e (in)autenticidade

                                                                      

  Rede social é um assunto do qual não se foge mais. Nos nossos tempos, mesmo quem não tem (persistente raridade hoje, mas que ainda existe) já ouviu falar de e sabe bem o que é; quem tem quase sempre alega não poder mais viver sem. Faz parte da vida do indivíduo do século XXI, e tal fato sublinha e grifa quão relevantes são questionamentos e análises a respeito.

    Através das redes (que são várias) conquista-se maravilhas. Aproxima-se os distantes, afasta-se os próximos. Num arroubo de sinceridade, diz-se a verdade a estranhos que não estão minimamente interessados e dão-lhe a ilusão de uma solidariedade comovente quando, em verdade, não raro estão rindo e debochando de seu desabafo. Cria-se um circuito de belíssimas mentiras árduo de manter - mas que insiste-se em sustentar à toda custa, sem por um momento considerar capitular e transparecer-se real, e sem nem dar-se conta do que está fazendo. Abafa-se pequenas faces da normal existência que são pouco glamourosas e muito cotidianas para merecem tempo e atenção, sem enxergar que talvez contagiantemente saudável seria o exercício de discuti-las, botá-las em pauta.

    Deixando um pouco de ironias, não podemos negar que o advento dessas plataformas trouxe positivas mudanças. Nelas, nós discutimos mais, conversamos mais, sobre os mais variados assuntos, e muito mais abertamente do que nossos pais ou avós jamais fizeram. Através delas, nós temos possibilidades de contatos também inéditos, antes inimagináveis: barreiras foram transpostas, dissolvidas, execradas na rede. E isso, de fato, é maravilhoso.

    Podemos conversar com mais pessoas a um só tempo, com pessoas queridas que estão longe, em várias partes do mundo; ou pessoas que talvez pessoalmente não conhecemos nem nunca conheceremos. A internet e seus poderosos tentáculos que chamamos de redes sociais fizeram o nosso “mundo mundo, vasto mundo”, parecer menor. Pequeno. Uma criança que carregamos no bolso. Na bolsa. Nas mãos.

    Nossos círculos são mais amplos; nossas possibilidades, esplêndidas. Nunca tantas pessoas sentiram-se tão próximas de todas as outras, nunca tantas de uma só vez sentiram ter tanta voz. A acessibilidade da voluntária exposição dá holofotes (gratuitos?) aos que muito os desejam; a opção do anonimato dá microfone a quem pouco de bom tem a dizer, permitindo maldosos comentários que antes calavam-se, ou em menor escala escancaravam-se e afetavam o seu alvo. A interação abarca ativamente o espectador, o ouvinte, o público, que antes participava quase exclusivamente na ponta receptiva de um espetáculo, de um programa, nas mais variadas mídias.

    Ao pesar todas essas facilidades e belezas com seus contrapontos negativos, eu particularmente ainda não me convenço. Tenho cá minhas ressalvas, sinto-me ressabiada. Pergunto-me se não cabe, dentre outras tantas interrogações, questionar se muitas das conversas que estamos tendo são genuínas, autênticas; se todas essas possibilidades ao alcance das mãos e ao deslize de um dedo estão sendo bem aproveitadas, e nos fazendo bem.

    Pois, será que nós postamos o que realmente pensamos e queremos dizer, e não o que pensamos que os outros querem que nós postemos? Será que postamos a vida que realmente temos, ao invés de a vida que queremos que os outros pensem que temos?

     Até que ponto a interação que existe por meio dessas redes sociais não é uma muito pouco autêntica, na medida em que nós criamos uma fictícia outra “versão” de nós mesmos para exibir - uma normalmente embelezada, mais constantemente sorridente, badalada, cheia de amigos, popular e querida do que somos na realidade? Até que ponto, uma vez que quase todas as pessoas assim agem, é possível realmente conhecer alguém por via digital, se só o que vive ali é uma imagem, artificial, fabricada, exagerada, criada para viver a intensa competição de aparências que existe nesse recinto, em que todos vaziamente invejam e querem ser invejados por impressões quase sempre ilusórias que deixam acerca da própria vida?

    (Convenhamos, gente, ninguém confessa aos múltiplos olhos da tela que está tendo um dia absolutamente banal, uma crise existencial, um momento em que se encontra sozinho, triste, perdido na vida, sem saber o que fazer com ela ou consigo mesmo. E, até onde eu sei, todos temos desses dias, desses períodos... Por que, então, eles não aparecem?)
      
     Até que ponto é saudável a corrosiva, ácida, sorrateira ansiedade que é gerada por essa competição de aparências e o constante estado de patrulha para "não ficar para trás e ter/mostrar uma vida tão linda e badalada quanto a que todos em volta parecem ter"?
 
    Até que ponto, ao invés de encontrarmos novas pessoas, não estamos nos perdendo no processo de tentar manter a outra face de nós mesmos, a persona que erigimos para ali nos representar? Até que ponto não estamos perdendo contato com nossa verdade, nossa profundeza, e perdendo um tempo em que poderíamos estar vivendo de fato, enquanto gerindo nossa paralela social existência na rede, atrofiados em nossa peculiar personalidade pelo desejo de agradar, de atender o que - achamos - todos esperam de nós, para nos fazermos visivelmente queridos e bem cotados?

    Eu me pergunto... não vale avaliar se alguma grande parte da beleza que nós vemos nessas plataformas não são grandemente ilusórias? Como um espelho d’água em que, ludibriados, entorpecidos pelo encantamento e o vício da coisa, deixamos de enxergar os malefícios sólidos e palpáveis, o escorre improdutivo de tempo, a falsidade, a tristeza, a inveja, a "realidade" complicada que emerge dali, existe ali, e nos faz afogar em espiral poderoso? Ou se, mesmo enxergando, conscientes de tudo isso, nos deixamos levar na enxurrada, talvez imprudentemente, somente para evitar o esforço de nadar contra?

    É algo no que pensar...

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Moda e individualidade

                                                                   

     Já viram aquelas pessoas - irritantes convictos com síndrome de superioridade - que torcem o nariz à moda em todas as formas, à criatividade envolvida na concepção de roupas por original desenho e posterior parto delas à vida em tecidos, texturas, cortes, comprimento e largura, botões e detalhes? Pois é. Desagradáveis essas pessoas, não acha? Esnobes, desdenhando algo que é precioso a outrem, incapazes de apreciar a beleza que há num produto humano? Então... Eu era uma delas até pouquíssimo tempo.
   
    Não gosto de gente que debocha e despreza o que não considera importante, mas que é importante a outras pessoas. Não gosto mesmo; acho este um comportamento ingentil, descortês, pequeno, e tento não ser assim. Mas, neste caso, comecei a entendê-las um pouco melhor ao enxergar a mim mesma nessa posição. Apesar de achar que nada justifica a conduta de desdém que diminui, fere e machuca o outro a partir da incompatibilidade de gostos, entendi que essa reação advém de uma falta de entendimento.

    As pessoas são diferentes, carregam valores diferentes, sentem prazer e veem sentido em coisas diferentes, atribuem importâncias diferentes a coisas diferentes em sua vida. Mesmo tendo consciência desse inescapável fato, é muitíssimo difícil para o falho ser humano aceitar e respeitar isso, na prática.

    Só como básico exemplo, é herculeamente custoso para uma pessoa que não vê graça em carros e acha que o carro é o veículo de quatro rodas que leva-o aonde quer ir movido por gasolina entender uma outra que é aficcionada por eles, vê o diferencial em cada um, demora-se a reparar nos detalhes e gosta de conversar sobre eles.
   
    Da mesma forma, é quase inconcebível para uma pessoa cujo maior prazer é viajar através das palavras, perder-se nelas, adentrando outra história, outro cenário, outro tempo, outros sentimentos, com o nariz poeticamente metido nas aromadas páginas de um livro entender plenamente aquela outra pessoa que não tem concentração para ler e não consegue imaginar tortura maior que acompanhar do início ao fim uma história pela qual não tem especial interesse através das débeis palavras de um autor maluco que se despeja ali e espera que o leitor nade com ele até as profundezas de seu insano imaginar.
   
    É, minha gente. Como disse uma certa brilhante inglesa chamada Jane Austen “uma metade do mundo não consegue entender os prazeres da outra metade”. Os prazeres, as dores, os amores, os gostos e desgostos... Tudo. A polifonia humana é um desafio a, todos os dias, ser encarado por todos. A multiplicidade é o que dá ao mundo sua cor e sua graça e, ao mesmo tempo, o que não raro o torna tão complicado. Não conseguimos entender muito bem o que é diferente. Não sabemos muito bem lidar com o que não entendemos.

    Voltando, um tanto bruscamente, ao início do texto e caminhando à sua culminância, declaro que o que quis vir proclamar através dele é o seguinte: creio que, finalmente, entendi. Entendo. Entendo o apelo que tantas pessoas veem na moda, a razão pela qual ela elasticamente perdura, o quão essencial ela pode ser para a vida da gente, de uma forma geral.

    Pois, num espaço em que todo mundo fala igual, caminha igual, pensa igual, existe igual, é mesmo tentador utilizar-se de todos os disponíveis meios de fazer-se diferente. Vestir desigual. Mostrar quem você é, único, ímpar, distinto de cada uma e todas as pessoas em volta. Demonstrá-lo, sussurrá-lo ou gritá-lo, também, através de seu estilo de roupa, suas combinações próprias.

    Ou, em contrário, num espaço em que a multiplicidade tem um brilho quase cegante, em que reina soberana a lei do cada um, a obrigação da originalidade, da singuralidade, o epidêmico ditame da solidão, da distância, da até cansativa diferença, a moda pode ser um veículo eficiente do reverso. A moda (aqui utilizando-me leigamente do termo, não para referir-me ao que está em voga, nem às grandes criações, mas às roupas que se escolhe vestir) pode ser uma maneira de sentir-se melhor, parte de um, parte orgulhosa. Uma maneira de silenciosamente dizer ao outro a tribo à qual você pertence, o time, a sociedade, a irmandade; o grupo com o qual se identifica, as ideias que melhor te representam, nas quais você acredita.

    A moda, de um modo ou de outro, é uma forma de expressão. (Minha nossa, como demorei a entender isso!). Assim como é a ornamentação de palavras em prosa ou em verso para uns, a fluída carícia da música para outros, a magia do desenho ou da pintura, o erguimento de belos prédios, a dança, para ainda outros. A moda é um meio pelo qual as pessoas se exprimem, dizem ao mundo como se sentem, como se entendem nele, como se veem e querem ser vistas, o que pensam e o que não pensam. É um desvelo visual da individualidade de alguém, da sua unicidade, diferença, da sua identidade, identificação, pertencimento. É um canto imagético de sua personalidade, vestida em tecidos e panos e cortes e emendos juntados combinando a mostrarem (ou esconderem) quem você é.

    E que possam essas minhas palavras - agora, creio, melhor esclarecidas - redimirem minha passada ignorância nesse belo respeito.                                                              

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Lugarejo

 

   Amanheço. Sorrio, O cheiro da manhã adentra-me ainda junto ao travesseiro. Mantenho cerradas as pálpebras, aspirando e sorrindo caladas. O sol jorra pela janela, anunciando inconfundível que outro dia está nascendo... Nasceu! Que belo parto!

    Abro os olhos. Enfim permito-me enxergar a luz que mesmo sem ver enxergo, percebo, reconheço. Examino o céu, bebêzinho, de azul tímido e ingênuo, sol sorridente e arteiro. Dois colegas no berçário, chorando forte consigo, a pulmões coloridos, a alegria do nascer. Ímpar nascimento, singelo presente aos sentidos - que se renova e se repete, fênix infinita... Viver é bom. Viver é sentir. Um sentido.
   
    Estimo as horas pela luz e o som do dia. O sol caminha no céu assim vagaroso, como quem espreguiça. Pássaros já cantarejam, exercitando sua voz inocente, produzindo concerto luminoso. Estão perto, estão longe, em pequenas maltas, em tribos, solitários... O ouvido do dia cumprimenta a todos.
   
    Levanto, devagarmente, sem pensar. Meus movimentos parecem encorajados ao delicado, de modo a não magoar o espetáculo. O dia fresco e desperto no berço... Sorrio. Bocejo e me estico sem fazer um som.
   
    À cozinha, silenciosos passos me guiam, e ainda o sorriso. A vida está certa, a vida é simples, não há pressa. Encho de água um velho caneco, que vai ao fogo sempre, sem se queimar. Fenômeno. O líquido límpido amortece a si mesmo no recipiente à medida que faz poça, produz distinto barulho, mais suave, graguleja. Pronto. É hora de recuar outra vez, deixar que o fogo evapore-se à água, acarinhando a barba do caneco velho que transmite a quente carícia em colo calmeiro.

    O dia amadura-se aos poucos, engatinha, levanta. Ergue os bracinhos, ousa um balbucio, baba uma pergunta. Criança pequena.
   
    O cheiro de café destilando-se aromado fecha o ciclo da primeira infância. Delícia. Transição quieta de que se nota o tom ouvido, o tom visto, o sorriso. O azul mais ainda azula-se, cambiando cores, cantando amores, levado. Os dentinhos do dia arreganham-se salientes já. Suas perguntas dão pulos, mais claras. Dificultam, dificulteiam. Tento acalmá-las todas sem resposta, só com um afago. O cafuné sem querer espera fazer durar o momento. Infância.

    Prontifico-me à vida. Duas pernas compridas salteiam e me guiam à toda, tranquilas. De cá para lá, de volta a dentro, de lá para cá, de novo à porta. Sorrio. É impossível não sorrir ao ver mais pleno a criança que peralta esperneia. O dia é bonito, linda é sua tenra idade.

    A idade avança sem envelhecer, ainda. Caem os primeiros dentes, para o encanto da fada, e a reposição com aqueles mais fortes. O processo demora - sua ciência é sábia. A criança descobre a convivência, a necessidade que tem dela. Engraçado mistério saltitante - que ela ainda não sabe para sempre insolúvel.

    - Bom dia!

    Saúdo a senhora em sua casinha avantajando-se à rua. Ela já sabe, ela também entende. Namora a vida dali de sua varanda, já tendo entregado-se a ela sem esperas, sem perguntas e sem respostas. Sabedoura de como é vã a tentativa delas. É belo esse amor que ela tem à vida, o amor que não pergunta, o amor que não se explica, o amor que é, somente. O amor que entende, sem compreender. Sem precisar de explicações.

    A criança floresce, olhada pela experiente senhora, que namoreia a inocência da outra recostada no peito de sua varanda. Belezas. O sol no céu prossegue, à toda, em seu arco - posto na cabeça da criança a ninar seu cabelo para trás. Azul arquinho, de flores raiantes, altas pétalas. Luz amarela.

    A sombra chega das folhas da copa. A altura das árvores intriga a criança que lhe aprecia e é grata. Companhia. Sensação de que se é observado. Silêncio. Pára o inteiro trânsito da rua larga em pedrejoulas uma presença risonha - quatro patas. O cão encara, lambe o dia como quem ri. Vai à árvore, cuja altura não lhe é objeto de criança análise, mas de idoso amor. Ergue a perninha, arregala-se, umedece o tronco. As riscadas manchas da arte sem mira permanecem na árvore, que as recebe bem-vindas.

    O cão ressabia-se, aquieta. Sussurra um olhar fugido de quem sabe que aprontou. Olha para mim. A travessura é natural, melhor que exista sem pito ou castigo. Sorrio. O cão continua a rua de cabeça erguida, rabo ao ar, patinhas animadas que se sucedem num trotezinho maroto. Lúcido, lúdico, lúmneo. Sorrio, outra vez.
   
    De repente, abaixo-me, em susto. Passa perto um pássaro grande, ave aberta, alertando-me de que o dia galopa, sem pasmaceira, sem a pasmaceira do cão. É preciso sacudir-me da vagareja, acompanhar a juventude que chega. Chega em susto, ave aberta. Chega arrebatando. É bom fenômeno. Mas é com saudade que despeço-me da gostosa infância que tem cheiro de manhã.

    A juventude é longa, difícil, impressiona mais longa e mais difícil do que talvez da vero seja. Mesmo junto à adulteza, ela não dura toda uma infância. A vida escorre. Há períodos tumultuosos, revoltos, espinhos e cravos. Há períodos rasgados, fatias de relógio, águas do rio. Voam em correntes alternas. Eu não entendo porque eles não acalmam, porque eu não me acalmo. Eu me confundo, eu me retorço, eu faço cenas. Eu não me entendo. Eu não entendo nada, e não me conformo. Não gosto de não entender. Não me movo mais em delicado, me movo agitado, brusco, ferindo o dia e a mim mesmo.

    As perguntas são demais agora, sol incandescente lá no alto. O humor varia, com o ápice do calor no dia. Pico montanhoso que eu escalo em nervoso. As perguntas são demais agora, e ninguém responde! Pássaros não cantam tanto, não voam perto, o céu tenebra-me. Sua luz cega, já não posso olhá-la aberto.

    Eu custo e longo a descobrir que ninguém responde porque não há respostas. Há palpites. E, mesmo eles, tão falhos, tão tolos, tão pequenos. Humanidade. Entendo tudo quando é minha vez de estar no lado respondante da pergunta, da idade, recebendo arroubos de inquietação dos meus mais tenros, que perguntam com caras e olhos e palavras revoltas.

    Não digo a eles calmarias, não peço que se acalmem. Sei que o sol está ardendo, deixando rastro, rumorejante, bruxuleado, incenso. Sei que o vento parece não ventar, o sopro é parado, agoniante. Como eu quis, na minha vez, que o tumulto passasse, o café da manhã voltasse, ou aquele da adiante tarde logo chegasse.

    Ah, e quando chega, agora... Já é menos esmeradamente aromado que o de temprana outrora. Eu lamento, suspiro. Não devia ter desejado que o tumulto ardente da primeira tarde passasse tão rápido.

    Observo. Continuo a observar. O céu aninha-se aconhegado, em cor amena, serenidade. O sol desce, deslizando pelo escorregador que é a outra ponta do arquinho. Ele diverte-se. E eu, com sua descida. Observo os meus mais tenros, sorrio. Revivo por eles o meu tempo passado, a minha tenridade. E com uma pitada de ciúme, a saudade bate: não posso reviver tudo, reviver pleno.
   
    As costas doem. Ah, minha Nossa Senhora, meu bom Deus, levantar é custoso, já não sem ruídos. Não é velhice, mas já não é infância. Nem juventude. É madureza. As coisas se esclarecem, pareço mais seguro agora. Eu me conheço, eu me atrevo a viver com mais calma. A tormenta passou. O encanto da novidade de tudo, antes dela, também. Madureza. Eu já vi as estações repetirem-se.

    As juntas não são mais molinhas e espuletas como as da criança. São lentas. Os dentes são já os permanentes. E gastos. Ou desgastando-se. O sol sorri, descendo calmo e bonito no céu anil da tarde adulta. Está vistoso. Homem feito. Ele cobriu quase toda a cabeça da criança, enfeitando à toa. A vida prossegue, tão simples. Tão certa. Cada sol em seu céu, cada coração batendo em seu lugar.

    Tão logo chega vistosa e plena, a madureza decai sem esperar. A idade precipita-se. Gradual mas vertiginosa. As mudanças são nítidas, eu começo a esquecer... As coisas. A verdura da mente também já passou de seu fresco esplendor, seu aberto vazio a preencher-se. Caneco velho de ferver água.

    Não vejo os minutos passarem, as horas... Passaram. Meses e anos. Os joelhos fraquejam, vacilam, a postura cansa-se. Passei da plena elegância da adulteza. Passei de me sentir criança. Não entendo mais do que entendia então, mas não me revolto. Entendo que não entender é necessário, é entendível. Não me revolto, me acalmo. Pitando a vida, eu me acostumo a ela.
   
    Não sou mais tão forte. Não pulo mais a janela, não sou mais tão ágil. Mas o sol ainda pula. Ha! O sol ainda é ágil, escala e pula sem problemas, ligeiro e risonho - por outra janela, é claro. Ninguém nasce exatamente onde vai morrer. Ninguém morre exatamente onde nasceu. Jornada. Viagem luminosa e curva, arquinho - florido e espinhado. Sol, menino sapeca!

    Meus olhos amiudam-se agora a ele, a vê-lo cansar-se de seu dia de brincadeira lá fora. Meus olhos... Já não são tão abertos quanto eram ao amanhecer. Já não enxergam tão bem, perdem coisas, que não vão achar, deixam passar... Os cílios amorenam-se claros, ralinhos, juntam-se ao par natural à força das cócegas da luz. Luz laranja. Luz morrendo em azulado bocejo, bocejo do céu. Cansaço.
   
    A noite chega, amainando a luz. O dia aposenta-se. O sol despede-se do céu em longos pedaços de bocejo, raios dormentes, olhos agachados. Cai lento, lento, canção de ninar. Melodia em sol menor. Sonora. Bela. Bela... A vigília da noite começa, não menos bela. Solene turno.

    A saudade não remedia-se, porém. O arco está completo na cabeça da criança que dorme. Acordará outra vez, despertará amanhã, cedo de novo, com os passarinhos. O dia é bom pra brincar.

    O cheiro da noite entorpece-me agradável. Ponho os pés para cima, fecho os olhos, mesmo assim também sabendo do cobertor escuro estendido sobre o céu da noite. Manto estrelado. Fresco. Sorrio. Está ventando.
   
    Decido deitar, anoiteço. A noite cai como meus olhos a fecharem-se. Abrirão-se amanhã, cedo com o sol. Sentirão a luz, o aroma, a textura, o mesmo harmônico todo outra vez. Sinfonia. Sinfonia de luzes. Fotografias musicais. A vida é generosa. A beleza de um dia se esvai, para sempre, permanecendo. A beleza é breve. Mas está sempre de volta. Basta esperar. Tudo flui, e tudo permanece. Lugarejo.
   

sábado, 3 de outubro de 2015

Zaz

      Quando começamos a aprender uma língua, é normal procurarmos tudo relacionado à cultura dos países falantes dela, e várias diferentes maneiras de termos contato com o idioma.

      Comigo, não é diferente. E hoje venho aqui apresentar a chanteuse (cantora) francesa cuja música não mais larga os meus ouvidos.

                                                                   
      "Sob o céu de Paris" não é de Zaz, nem cantada nem composta originalmente por ela. É trilha de um filme bastante antigo do mesmo nome, e já foi interpretada por grandes nomes da música francesa como Edith Piaf e Yves Montand. Porém, a nova roupagem dada à canção por Zaz é realmente encantadora, um exemplo do que é sua marca, e o videoclipe é o mais belo que já vi, uma montagem artística inebriante, que não consegui deixar de fora.

      "Zaz" é em verdade o codinome artístico de Isabelle Geffroy, uma talentosa artista que vem fazendo muito sucesso na França. Particularmente, há muito tempo eu não me identifico tanto com uma música quanto aquela arquitetada e cantada por ela. É um jazz cigano de melodia malandra e letra a um só tempo simples e arrojada, sinceramente sem cerimônias, que soa raro e vivo.
        
                                                               

      Tanto há uma poesia vaga nas suas canções quanto algo especial em sua performance. Quando a ouço, tenho a sensação de que está sendo mantida viva a música não como produto, mas como arte. Não como entretenimento, mas como forma de expressão. Isso é mágico!

                                                              
       Apaixonada por jazz - em todas as suas variações - e estudante de francês que sou, creio que meu encontro com Zaz era apenas questão de tempo. Vai que existe mais alguém como eu lendo-me, em qualquer dos dois aspectos, fica a dica. Zaz!

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O desafio do casamento

                                                                  

    O número de casamentos só cai. E, dentre os comparativamente poucos casamentos que se realizam, muitos se esfarelam. O número de divórcios só cresce. Entre as uniões estáveis, arranjos se fazem mais frequentemente e, depois deles, desarranjos e rearranjos também. Nada disso é novidade para ninguém, não é?
   
    Não, de fato, não é. A realidade é uma amplamente divulgada e amplamente lamentada, e eu não sei dizer o que é mais calamitoso, a realidade em si ou o "auê" que fazem em torno dela. Entre os que lamentam, há aqueles que analisam com sereno pesar e outros aqueles que, irritantes além da conta, tomam o fato como ponto de partida para momentosas reflexões e a produção de um tão sutil quanto tenebroso adestramento, através de pregações utópicas. Pregações estas que não raro incluem prescrições detalhadas em lindas cartilhas de comportamento, que só não são mais furadas que a estratégica fotografia do(a) autor(a) acompanhando o discurso em seu suporte, mostrando uma inebriante realidade ideal que é apenas isso: idealizada. Forjada, fabricada, muitíssimo irreal, e que só passa por legítima porque é legitimada pelas pessoas que se lembram de denegrir a própria vida e reclamar dela mas se esquecem de que a do outro, por baixo da superfície, tem tantos problemas e complicações quanto a sua.

     “Sinalize ao seu parceiro o que mais te incomoda, tudo pode ser conversado; imponha limites; não deixe o hábito parir a monotonia...” A lista é longa. Os conselhos e truques e receitas, as pequenas dicas, são bonitos, simples, teoricamente fáceis de pôr em prática. Teoricamente. Mas o discurso é um muitas vezes custoso de fazer-se aplicar.

    Nem sempre a sinalização do defeito, da falha, do incômodo, da omissão ou negligência do outro é tão simples quanto parece. Nem tudo sempre pode ser conversado; há certas conversas que são simplesmente muitíssimo complicadas, capciosas, difíceis, conversas cuja visualização em pensamento é fluida, mas a acontecença verdadeira, perante ao outro, aos olhos e ouvidos do outro... Às vezes se impõe limites e eles não são respeitados; às vezes quem tenta a imposição também infringe aquela do outro sem nem se dar conta disso... Às vezes, a monotonia faz parte sim, e é difícil evitá-la...

    O que estou querendo dizer aqui é que é muitíssimo melindroso dar palpites, dicas, sugestões nesse tema. Há pessoas e pessoas, casos e casos, situações e situações. Claro que algumas ajudas podem caber, podem funcionar, podem ajudar. No entanto, cada um deve lidar com o que vive, do modo como julgar mais adequado às suas específicas circunstâncias, como melhor encaixar-se às suas possibilidades no campo do real. O desafio do casamento é um universal e, ao mesmo tempo, estritamente particular. Cada um vive o seu, que pode ser (ou não) bastantemente distinto de todos os outros ao redor.
   
    Assim, não venho aqui propor soluções para o desafio, para dar ânimo ou desânimo para o leitor em relação a ele. Não finjo ter resposta a muitas perguntas que cutucam muita gente nessa questão, nem viável solução para muitos problemas que enfrentam nele. Mas, tampouco posso esconder que tenho cá minhas opiniões e palpites sobre o assunto, com os quais rabisco este comentário. Comentário que rodeei e rodeei para só agora culminar:

    Parece-me que a perseverança é uma virtude que está fora de moda (não só nesta questão, mas em várias outras) e a tolerância também. E também parece-me que o casamento não é vivência para ninguém se não para o perseverante, o tolerante, o paciente. Ou para aquele disposto a sê-los, a desenvolver esses predicados em si mesmo. Casamento é para os fortes, sim, e não adianta fingir o contrário.
   
    Pois, com o tempo e a constante companhia, os defeitos do outro não aliviam-se, mas acentuam-se. Assim como o laço do costume tem o poder de gradualmente “relevar” as qualidades, tirá-las de destaque, percepção, nota, gratidão. O poder de fazermo-nos take for granted. Da mesma forma, é verdade que o hábito aperta a corda sobre o encanto, faz esparecer qualquer paixão, empalidecer todas as cores da vivência que − em plano e sonho e anteriores conversas − pareceu tão vivo arco-íris. É verdade que, quando alguém se casa, os problemas dobram, a família se estende, o tempo para si escasseia, o espaço também... É verdade que verificam-se comprovadas um monte de verdades que gostaríamos que fossem mentiras, coisas inventadas.

    Por outro lado, é verdade tão verdadeira quanto também que chega um ponto na linha da vida em que até o mais incansável dos aventureiros quer descansar. Cansou de arriscar, esgotou-se da emoção e do suplício da constante novidade, da pequena duração, da incerteza. Mesmo ao mais aventureiro, torna-se tranquilamente tentadora em certo momento a segura praia, a raiz entranhada e profunda, a “tampa da panela”. Não acontece com todos; sempre há os aventureiros que terminantemente recusam-se a aceitar a ideia da estadia em um só porto. Mas, não é o caso da maioria.

    E quantos de nós, no fundo e na verdade, aventureiros somos? Quantos de nós gostamos de malandrar de galho em galho, sem fixar ninho em nenhum? Quantos de nós adoram a ideia de, num acidente de vôo, típica coisa de qualquer percurso, ter que pousar em qualquer galho, só, sem ter quem olhe por ti, cuide de ti, e venha lamber suas feridas? Quem, aliás, mesmo sem hipotetizar nenhuma ocorrência no percurso, adora a ideia de perambular (ou definitivamente instalar-se) para sempre desacompanhado? Sem ter quem te espere chegar seguro no fim do dia, quem abençoe a sua partida, celebre a sua chegada, pense em você na sua distância? Sem ter quem saiba que não existe outra pessoa como você, quem te conheça em cada detalhe, em suas inteligências e idiotices, seus hábitos dos mais peculiares e preferências sem sentido?

    Creio que o desafio do casamento é uma questão de “ou isto ou aquilo”. De saber escolher o que mais lhe cai bem, celebrar seus prós, aceitar seus contras, e abdicar do resto. Casamento é difícil? É! Sem dúvida. No entanto, quem disse que a sozinhez também não é difícil, vem com seus preços a se pagar?

   Quem não se acha disposto a fazer sacrifícios, e topar com bravura os desafios da convivência... Então... Fortaleça-se para o caminhar solo. Por outro lado, quem não acha que se acostuma facilmente ou alegremente a caminhar sozinho, precisa aceitar os desafios da convivência. Não se esquivar deles, nem ignorá-los, nem transformá-los em motivo para desistir de tudo. Aceitá-los como desafios, desafios que fazem parte, e podem ser até... comicamente divertidos...

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Carta aos amigos



  Dizem os práticos que nenhuma magia pode ressuscitar os mortos − nem mesmo a magia das palavras. Verdade? Não sei. Ninguém sabe. Quanto a mim, talvez discorde, talvez concorde. Francamente, parece-me que há muitos mortos enterrados mais vivos em nosso entorno do que outros mortos andantes oficialmente vivos.

    Dizem os sensatos que, sendo impossível o ressuscito, nada se ganhará em remexer consigo consumado fato, e melhor é deixarem os mortos em sua morte. Todavia, como sensatez é uma palavra que hesito muitíssimo em associar a mim mesma, estou aqui, não pagando tributo às amizades mortas, mas chacoalhando-as em seu túmulo. Pois, como disse Veríssimo filho em belíssimo texto, “embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu”.

    Primeiro, porém, convém que eu diga que posso estar cometendo ainda anterior desatino ao meramente atribuir a certos entes o ilustre título de “amigos”, quando nem certa estou que eles de fato o foram, e assim merecem ser chamados. Vivo tanto a imaginar que não sei se posso dizer afirmadamente que não imaginei o que vivi... Parte dele ou todo ele... Especialmente em casos como este, em que o sorriso alegre e entusiasta do coração neblina demasiado a análise da razão.
   
    “Amigo”, eu creio, é palavra que usamos muito levianamente.

    Amigo é alguém em quem se pode confiar. Confiar, fiar com, conversar fiado e à vista, na hora da celebração e da necessidade. Amigo é aquele com quem se troca, acima de tudo, sinceras palavras. Se profundas, se rasas; se compridas e longas, ou breves e curtas; se assuntando sério ou brincalhonas, primeiro e antes de tudo, sinceras. Entregues, expostas, verdadeiras, muito mais verdadeiras do que as que se diz a um apenas conhecido não amigo, ou a um pouco conhecido ainda estranho.

    Amigo é aquele em quem se pode fiar. Aquele que vem sem titubeio socorrer-lhe, mesmo quando ele próprio está em apuros. Aquele que guarda o segredo que você não conta, que escuta o que você não diz, que acalma a raiva que você não explode, que disfarçado e furtivo oferece a ajuda que você não pede, e aberto puxa-lhe para o abraço que estava prestes a pedir.

    Amigo é aquele que não mede suas palavras. Aquele que acredita em você, incondicionalmente, exageradamente. Não é aquele que debocha, deprime, suprime seus talentos e sonhos e fica para sempre a lembrar-lhe dos obstáculos e empecilhos − mas aquele que, muito menos com sua (às vezes, mui correta) lógica, que com suas animadas palavras, radiante sorriso, persistente incentivo, e com a inquestionável confiança que deposita em você fá-lo confiar em si mesmo, e jamais esquecer das dificuldades, mas colocá-las em perspectiva, numa perspectiva tal que elas se tornem pequeninas, frágeis, sopradas até desaparecerem de todo.

    Amigo é aquele que deixa-lhe saber quando está certo, celebra contigo o seu triunfo, reconhece a sua razão, seu argumento, sua justa conquista, e com eles sorri genuíno. Mais ainda, amigo é aquele que repreende-lhe quando está errado, que é quase mais duro com você do que você pode ser consigo mesmo; aquele que diz todas as palavras que você precisava ouvir, e não raro algumas que não precisava, também. Amigo é aquele que sofre com a sua dor e a toma de você, fazendo-lhe rir de alívio ou ridículo no momento aparentemente ao riso menos propício. Aquele que xinga junto, enfaticamente, acaloradamente “Safado, cachorro, sem vergonha! Vagabundo, imprestável, monte de estrume humano!”  − embora ele nem muito bem conheça a pessoa que causa sua mágoa, e esteja correndo algum risco de ser injusto com ela, ao escolher enxergá-la unicamente pelo reflexo dos seus olhos.

    Amigo, sobretudo, é aquele que não mede seus silêncios. Aquele que aponta-lhe persistentemente a trilha errada, perigosa, visivelmente fadada ao desastre; e que, quando você teimosamente ainda assim decide tomá-la, espera-lhe pacientemente do outro lado, no fim da travessia, para dar-lhe colo, confortante e seguro colo que silenciosamente tanto diz “Eu te avisei. Eu disse.” quanto “Pode chorar. Pode chorar, que eu estou aqui.”

    Amigo é aquele bem curtido na difícil arte da aceitação. Não é aquele que que desfaz de seu gosto, dolorosamente ironiza-o, tenta induzi-lo a outro, impor a você sua opinião, seu julgamento. Em contrário, é aquele que faz de tudo para você manter consigo o que é seu, especialmente em questão de gosto e desgosto, crença, opinião. Aquele que tenta melhor conhecê-los, faz um esforço singelo (e, por vezes, magnânimo) de entendê-los − e, mesmo quando não consegue entendê-los, respeita-os. Respeita-o. Respeita a você, seu amigo, e perante o destrato de outrem, defende-o, ou blinda-o, da melhor maneira que pode.

    Amigo é aquele que tem boa memória. Não é aquele que esquece, é aquele que lembra. Aquele que, sem nada dizer, repara uma vez para não mais olvidar que seu sabor favorito de comida é a mineira; de livros, o romance; de pessoas, a doce. Não é aquele que tudo despercebe. Ou aquele indiferente. Principalmente, amigo não é aquele que é aquietado com qualquer conveniente desculpa para esquecê-lo; é aquele que não é podado e parado com quaisquer pequenas barreiras que fariam-no deixar de lembrar.
   
    Amigo, por fim, é aquele que não desiste. Aquele cuja amizade não está condicionada à circunstância, à festa ou ao riso, ao tempo das vacas gordas ou das vacas mais esbeltas. É aquele que acompanha-o, mesmo nos períodos de intempérie, e através de toda ela. Amigo é aquele que não desiste de você, que está procurando-o, mesmo quando você mesmo já desistiu de se encontrar. Amigo é aquele que faz todo o seu quinhão de possível para não deixar desatar-se o laço, mesmo quando sabe que muito provável é que, em algum ponto, ele venha enfim a esfarelar-se ou romper-se no curioso curso da corda da vida.