quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O lado bom da inveja

                                                                   
        
      Ai, que inveja! Ô, invejinha...

    Quem nunca disse isso? Quem nunca sentiu aquela pontadinha de inveja, aquele “poxa, se pudesse ser eu” bater ao encontrar alguém em alguma situação que gostaria muito de estar?

    Invejar é desejar aquilo que o outro tem. Pode ser uma casa, uma espécie de posse, uma situação, um talento ou dom. A inveja é aquela sensação que todos conhecemos mas, curiosamente, nunca falamos sobre. É aquilo que ninguém debate, ninguém gosta de admitir, confessar ou compartilhar. Parece desavença de família mineira (que adora evitar um confronto direto), pois todo mundo sabe que está acontecendo, todo mundo sabe que todo mundo sabe que está acontecendo, mas, se perguntados sobre, todo mundo nega, ninguém sabe de nada. É um segredo aberto - amplamente sabido, mas nunca discutido.

    Isso acontece, eu acredito, porque nós temos vergonha. Temos vergonha de admitir que temos inveja porque fazer isso é revelar aquela parte de nós que mais queremos esconder - a parte egoísta, mesquinha, que não se regozija no sucesso do outro mas olha para ele e pensa “poderia ser meu”. Todos parecemos assumir que a inveja é algo ruim, feio, imoral, um “pecado”, e tentamos ocultar ao máximo, inclusive de nós mesmos, que somos tão íntimos conhecidos dessa sensação.

    Eu discordo dessa geral concepção. Discordo bastante. A inveja não é necessariamente ruim; pelo contrário, a inveja é também muito boa. Aliás, a bem da verdade, a inveja é neutra, e pode ser tornar positiva ou negativa de acordo com o modo como lidamos com ela.

    Pois, nós podemos ver a bela vida e o sucesso de alguém e sentirmos pura, puríssima inveja, e a partir dela começarmos a depreciar a bela vida e o sucesso que já temos. Podemos, assim, virar ao pessimismo e à descrença como nossos sentimentos carros-chefe perante a nossa vida; junto com ódio, límpido e cristalino ódio, por esse alguém, por ele ter alcançado tudo o que sempre desejamos mas nunca conseguimos. Viver a inveja assim, a meu ver, é burrice, um mal que causamos a nós mesmos, e que em nada diminuirá o mérito ou as conquistas das pessoas que invejamos.

    Podemos reagir à inveja, também, neutramente, com um simples balanço de ombros, tocando a vida para frente. Eu reajo assim, por exemplo, quando vejo imagens de guarda-roupas perfeitamente arrumados em revistas de decoração. Sabe aquele armário ordenadinho, setorizado por tipo de roupa para cada tipo de ocasião ou estação, o espaço bem aproveitado e os pertences impecáveis, cada um em seu lugar? Pois é, nunca consegui fazer o meu ficar desse jeito. Eu não funciono assim, não consigo. Quando eu abro meu guarda-roupas, tenho a sensação vívida que ele carrega sequelas de algum furacão misterioso que passou por ali e mais nenhum outro lugar do mundo. E isso é algo que já desisti de tentar mudar. Aceitei o meu desastre e a minha falha. Eu nunca terei um guarda-roupas arrumado (o que não me impede de continuar suspirando quando vejo um) e vivo bem com isso. Essa inveja, eu creio, é inofensiva. É natural do ser humano desejar coisas, buscar, e bom que se acostume a simplesmente não conseguir ter tudo o que deseja e busca.

    Por último, podemos fazer da inveja um trampolim, um motor, uma força que impulsiona, e a partir dela canalizar esforços para conseguirmos o que queremos, inspirados no sucesso de um outro. Pois, se olhamos para qualquer profissional bem-sucedido e feliz, e sentimos que o invejamos, então esse pode ser um ponto de partida para construirmos o nosso caminho, seguirmos seus passos, fazermos por onde para, um dia, chegarmos a onde ele está. (E não é que queremos destroná-lo, ou roubar dele tudo o que já conquistou; só que desejamos ocupar um espaço semelhante ao dele). Reagir à inveja assim é saudável, porque ela se torna uma inspiração parte de uma ambição, e ajuda-nos a reconhecer onde estamos, onde queremos estar, e o que precisamos fazer para atravessar a ponte entre esses dois pontos.

    Em suma, tadinha da inveja. Tanta gente condena - e está pronto para apontar no outro, enquanto resoluto de que jamais praticou - o tal “pecado” da inveja. Mas, cabe aqui uma reflexão quanto aos valores que atribuímos a ela, se eles são intrínsecos e indissociáveis a ela ou se são - como a maioria dos valores - apenas construções que fazemos, que podem e devem ser questionadas e modificadas.
   
    Como qualquer outro sentimento, se intenso, a inveja pode ser doentia, corrosiva, pode consumir-nos por inteiro. Pode, também, não ter sobre nós efeito algum, se nós não lhe permitirmos isso. Ou pode ser extremamente positiva, nos mover para frente, dar novo ânimo ao nosso objetivo, um norte mais claro para as nossas metas.

    A inveja pode ser muito má ou muito boa. Tudo depende de como reagimos a ela, do como agimos a partir da picada dela. De como nos comportamos quando espetados por esse que é um sentimento tipicamente humano e está longe de encontrar seu fim entre nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário