quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A difícil jornada de crescer

                                                                      

      Todo mundo conhece a história do Peter Pan, o menino que não queria crescer. (Quase) todo mundo que conhece a história do Peter Pan em algum momento da vida já foi criança e, como tal, desentendeu sua maluquice. “Como assim ele não quer crescer?!” pensamos, quando pequenos. “Eu quero crescer sim! Estou doido para ser grande! Não vejo a hora de poder brincar do que quiser a hora que quiser, sem ter ninguém me dizendo o que fazer, sem ter de pedir permissão pra tudo, e podendo comer sobremesa antes do almoço sem ter que fazer isso escondido pra não receber xingo.”

    Creio que é geral a comoção que nos arrouba quando enfim começamos a “ser gente grande” e sentirmos o completo reverso. “Por que mesmo eu queria crescer? Ah, não! Agora que cresci, quero voltar...”

    É. Crescer não é tarefa fácil. De minha parte, acho que justamente esse processo de crescer é árduo. Mais do que o momento de ser pequeno e o momento de ser grande, a ponte entre eles dois.

    Toda transição é difícil. Toda mudança sacode a gente. E essa não está nem perto de figurar entre as exceções que comprovam a regra. É agridoce, delicado e espinhoso esse período em que coexistem resquícios das delícias da infância, que ameaça afinal terminar de escapulir, e as durezas da adulteza, que entretanto ainda não é completa. Encaramos toda sorte de desafios, saboreamos inúmeras e confusas sensações novas - com as quais desastradamente tentamos lidar - no tempo em que já somos velhos demais para sermos cuidados totalmente por nossos pais, e ainda jovens demais para cuidarmos sozinhos de nós mesmos. O tempo em que ainda podemos gritar socorro aos pais num caso de urgência, chororô ou aquela gripe, mas já não podemos pedir a eles que venham, todas as noites, contar histórias seguidas de um beijo na hora de dormir, nem que nos dêem todas as respostas prontas. Nós temos que começar a encontrar as nossas próprias. Tomar nossas decisões quanto à nossa própria vida - e isso nesse difícil momento em que tudo é descoberta, novidade, instabilidade.
   
    Como as crianças, que estão descendo do ninar seguro dos pais para o chão e assim têm que aprender a andar, cair e levantar nele - que por vezes é duro, frio, escorregadio - nós, viventes dessa senhora jornada de crescer, estamos descendo do colo da infância para sermos jogados no assoalho da vida, onde também temos que descobrir o mistério de andar, cair e tornar a levantar. Nós também temos mãos que nos ajudam a cambalear os primeiros passos, e nos acompanham até que nosso andar seja firme. Porém, estamos, desta vez, nos preparando para sermos independentes dessas mãos e, mais do que nunca, realmente andarmos com nossas próprias pernas.

    Como as crianças, que estão descobrindo o maravilhoso (e cheio de farpas) mundo da convivência, aprendendo a aceitar o fato de que não são as únicas no mundo, não podem ser o sol em torno do qual a atenção de todos revolve-se, nós também estamos lentamente engolindo a dura verdade de que, uma vez fora de casa, não temos a proteção dela. Não encontraremos facilmente a segurança e o aconchego que tínhamos nela, nem somos tão especiais e queridos e únicos fora dela como outrora nela fomos.

    Ninguém nos disse que seria fácil. E realmente não é. Mas, em contrapartida, poxa vida, ninguém nos disse que seria tão difícil...

    Pensando em metáforas, podemos dizer que esse período da vida é uma espécie de “Cabo das Tormentas”. Antes dele, estamos na terra-mãe, seguros e confortáveis, queridos e amados. Passando por ele, sofremos alguns belos perrengues e sacolejos, experimentamos paisagens e sons e gostos e sensações lindas e, por outro lado, choques e descobertas e surpresas que nem sempre nos agradam. Em certos pontos, vivemos uma turbulência tal que nos desestabiliza por inteiro. Depois dele, todavia, descobrimos inéditas cousas de beleza estonteante. Temos enfim a chance e a permissão de viver grande parte daquilo que sempre almejamos, os benefícios e deleites e prazeres que - quando pequenos - sempre imaginamos próprios a tão lonja de nós, e tão legal, idade adulta.

    Em suma, não existe remédio, nem magia que possa interferir nesse processo por nós. E isso é bom; significa que teremos uma existência completa. Quem é pequeno, cresce. Quem já cresceu, amadurece, ou envelhece. Quem já envelheceu... um dia deixará de existir. A vida é assim. Sábio de nossa parte, portanto, já que não somos Peter Pans, é aceitar isso. Aceitar, entender, abraçar, tentar lidar com isso da forma mais tranquila e saudável possível.

    Sábio de nossa parte é enxergar que, como absolutamente tudo na vida, cada uma de suas fases tem seus lados bons e seus lados não tão bons. Suas cores e seus cinzas, seus desbotados e seus brilhos, suas festas e suas lágrimas. E o melhor que temos a fazer é aproveitar cada minutinho, cada pequeno instante, viver plenamente cada um dos momentos e cada um dos períodos, sempre procurando fazer com que, no final balanço, os encantos prevaleçam, os sorrisos predominem, as memórias sejam em maioria saborosas, de tempero leve, gostinho doce.

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