quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A beleza da dúvida

                                                                    


    O professor é o artista que nos ensina a perguntar.

    Eu tive um sublime professor que, face a qualquer problema, dilema ou encruzilhada que enfrentávamos dizia “Acalmem-se, vocês estão no caminho certo. A gente sempre chega mais fácil na resposta através da dúvida do que da certeza.”

    Pouca gente entendia a serenidade com que ele manejava as nossas dúvidas. “Como assim, professor” silenciosamente queriam muitos protestar “esse turbilhão de inquietações pode ser bom? Como pode esse amontoado de indagações fervilhando na gente, ardendo na gente, tirando o foco e o sossego e o sono da gente, ser o caminho certo - justamente para sair disso?”

    Ele estava certo. Como quase sempre, ele estava docemente certo. 

     Equivocadamente, muitos de nós queremos respostas fáceis. Sem reflexão, sem dor, sem inquietude alguma. Sem interrogações. Queremos cair na trilha da resposta sem passar pelo túnel das perguntas. Dele, fugimos desembestadamente. E não é à toa. O solo dele é pedregulhoso. Ele é mal iluminado, misterioso, causa ruídos desconhecidos, nos leva a sensações de medo, insegurança e consternação. Estar dentro dele não é confortável; ele incomoda a gente. Entretanto, como bem dizia o professor, ele é mesmo - por tudo isso - o melhor caminho.

    Pois, quando estamos em busca de respostas, de afirmativas que terminam em um ponto (definitivo), nada melhor do que o estado da angústia, do desnorteio, do alerta ansioso da perguntação; nada melhor do que a convicção do não saber. É quase sempre preciso ensopar-se num mar de perguntas primeiro para depois velejar na calmaria da resposta. E, mesmo nela, vejam só, volta e meia bate uma ondinha de interrogações para nos fazer balançar. E, ao contrário do que parece, esse balanço é muito bom.

    A certeza absoluta faz a gente estagnar. A dúvida meneante faz a gente se mexer.

    A certeza faz a gente se acomodar. A dúvida, em contrário, faz a gente se incomodar. A dúvida é uma espécie de caminhão de mudança.

    A certeza faz a gente se fechar. Botar uns óculos estreitos e enxergar só através deles. Ela nos encaminha os olhos, encabresta o olhar, fá-los parados numa direção só. A dúvida, por seu turno, nos abre os olhos, escancara o peito, sacode o âmago. É o tampão retirado. Faz a gente vislumbrar as possibilidades, não só, mas também fitá-las com carinho - talvez flertar com elas. Faz a gente se assustar primeiro com a luz, a largueza e a amplitude da vista, para depois se admirar com a plenitude tão bela dela.

    A certeza faz a gente ver um destino, ou inventá-lo. A dúvida faz a gente ver escolhas, e escolher direito.

    A certeza parece decidir por nós, ser inquestionável. A dúvida nos lembra da nossa responsabilidade.

    A certeza nos faz pingar pontos finais em sentenças muitas vezes inacabadas. A dúvida deixa sempre abertas um punhado de reticências... Elas que são continuadores milagrosos do discurso, deixando sempre o perfeito espaço do completamento, seja ele no sentido de arremate e final acabamento ou de guinada em mudança.
   
    A dúvida, enfim, me parece um lugar muito melhor para o ser humano do que a certeza, ou a sensação da certeza, esta que rói sorrateira as possibilidades de permuta, melhora ou metamorfose. A dúvida é o provoque perfeito a este bicho-homem, tão incompleto e tão imperfeito, para que ele saia do lugar e admita-se uma obra em progresso sempre. Para sempre.

    Como também bem dizia um certo meu sábio professor.
                                                                                                

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