quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A conquista do inesperado

    Não gosto muito de textos temáticos. É natal, vamos falar do natal. É ano novo, vamos falar do ano novo. Como já estamos mais ou menos engalfinhados na atmosfera do tema, neste caso da data, acho que eles dão certa canseira. E me parecem um oportunismo preenchedor de uma mídia (qualquer que seja) que não tem muito o que falar e aproveita o momento para inflar seu conteúdo e fazer as pessoas centrarem a atenção nele. Isso me lembra um outro tipo de oportunismo, que acho mais desagradável: Michael Jackson morreu, falemos do rei do pop. Ayrton Senna morreu, venham as biografias e as matérias sobre ele. Mas, enfim, talvez até justificando o título, é isso que estou fazendo hoje.
    Todo ano nessa época, eu vejo as pessoas em meu redor fazendo planos, listinhas do que elas querem que aconteça no ano que está por vir. Eu mesma costumava fazer isso, até pouco tempo. Hoje, acho um pouco de graça nesse costume porque, se cada um revisasse o ano e o comparasse com o que mentalizara para ele dia 31/12 do ano anterior, veria que a vida foi preenchida de ‘imprevistos’, mais do que de previstos. Que muito do que se esperava não aconteceu, e muitas coisas que não se esperava - as quais nem se imaginava - aconteceram. Que houve mais inesperados do que planejados.
    A vida é assim mesmo, é linda exatamente porque nos surpreende. Vinícius e Toquinho disseram assim “o futuro é uma astronave que tentamos pilotar”. Tentamos e, na maioria das vezes, falhamos. Porque é uma ‘máquina’ que muitas vezes foge do nosso controle.
    Quantas vezes não nos fiamos em projetos que outrora achamos esplêndidos e que vão revelando suas falhas e perdendo importância no trilho dos dias conforme outros empreendimentos - vira e mexe melhores, mais brilhantes que os primeiros - se fazem reais para nós, e nós canalizamos para ele, o novo, todas as nossas energias... Quantas vezes visualizamos oportunidades, nos programamos para elas, e elas se esvaem, inesperadamente, enquanto outras se abrem, também de modo repentino, surpreendente, e não raro se revelando melhores que as anteriores... Quantas vezes acreditamos em certas pessoas, ‘investimos’ nelas, e elas tão amargamente nos decepcionam, vão se afastando de nós e caindo em nossos conceitos, e se tornam muito menos importantes do que outras que arrebatadoramente chegam em nosso caminho - aparentemente vindas do nada, talvez jogadas dos céus - e passam a ser aquelas a quem mais queremos, quem mais queremos perto... Às vezes, as melhores coisas que acontecem na nossa vida são aquelas com as quais menos sonhávamos.
    É incrível como umas coisas vem, outras vão... Como abrimos mão de umas, talvez sem perceber, e passamos a muito querer outras - que há pouco nos eram tão indiferentes...
    Como é preciso jogo de cintura para lidar com as viravoltas da vida! Saber rir do que deu errado, das frustrações e das ‘perdas’, e estar aberto para conquistar o inesperado!
    Só pra dar um exemplo irônico, se há um ano alguém tivesse me dito que hoje eu teria esta página, eu teria sugerido à pessoa que procurasse um centro psiquiátrico. Teria rido do ridículo da previsão. Eu que sempre fui tão resistente a essas coisas de internet, sempre preferi o olho no olho, e o lápis no papel ao invés dos dedos no teclado... E, no entanto, estou aqui, aproveitando a plataforma para escrever. Este texto mesmo era inesperado, imprevisto, e nasceu - literalmente - da noite para o dia...
    Não sei se é porque eu sempre fui sistemática e perfeccionista demais que ando pensando assim... Mas o fato é que estou aprendendo que nem tudo acontece conforme planejamos, e isso nem sempre é lamentável. Que alguns episódios lindos acontecem que simplesmente não estavam nos planos, nem nas mais loucas imaginações. Que planos e projetos e previsões tanto podem dar certo quanto podem dar errado, e nós temos que lidar com isso, com alegria e bom humor, rindo e sorrindo, sabendo persistir no que vale a pena e sem dores deixar ir embora o que não vale a pena.          
     Que o próximo ano de todos nós tenha tantas realizações quanto desafios, e tantos bons imprevistos quanto bons previstos! Que conquistemos o planejado, e também o inesperado.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Sobre os guias de redação, as leituras empobrecidas e a liberdade na sala de aula

Meu primeiro escrito é também sobre a minha primeira paixão: a educação. Aí vai:


    Há alguns meses, Lya Luft escreveu um artigo absolutamente inspirador, “Aulas de mediocridade”, atacando uma iniciativa - que já está acontecendo, parcialmente financiada pelo Ministério da Cultura - que é um verdadeiro atentado à literatura brasileira e à educação: a simplificação de clássicos brasileiros, como Machado de Assis, para a leitura de pupilos da nossa esplendorosa educação básica. Eu peço licença para aplaudir o escrito de Lya e comentar mais um pouquinho de outros absurdos que esse absurdo aponta.
    Além de ser um incentivo à mediocridade do aluno, uma aval contundente para que ele contenha-se na pequenez, contente-se e acomode-se com o adaptado que lhe é mastigado, ridiculamente descomplicado, a facilitação de obras-primas da nossa literatura fere também outro algo que é essencial ao crescimento do aluno, que é um direito fundamental, um dote natural que deveria ser exercitado com entusiasmo, encorajado por aqueles responsáveis por sua educação: a liberdade de pensamento, o exercício do intelecto sem amarras, instigado em sua criatividade, sua unicidade.
    A adaptação facilitada, talvez até sem querer, traz a sua diretriz, a interpretação do adaptador, presente no modo de refrasear uma sentença, de direcionar a obra para um lado ou outro, focando em certa parte ou certo aspecto dela, em detrimento de outros. Aquilo que é lido deixa de ser puro e assim fere a liberdade do leitor de interpretar o escrito original, de formar sua própria opinião acerca dele, absorver dele a essência de acordo com o que ele entender, de seu jeito, seu jeito único e imaculado de pré-julgamentos, de palpites implícitos ou sugestões escancaradas, de interpretações ditadas.
    Essa falta de liberdade, o encarceramento e acondicionamento, adestramento das nossas capacidades pensamenteiras, e do que concluímos e pensamos através delas, é um mal muitíssimo presente na nossa educação, e não só nas aulas de literatura. Por que é que professores de redação ensinam não só a técnica mas o método, o ‘esqueleto fundamental’ do texto, que o aluno deve repetir toda vez que escrever, ou antes de começar a escrever? Por que é que são distribuídas ‘colinhas’ para fazer o esquema do texto? Introdução: problematize, desenvolvimento: desenvolva e sustente, conclusão: solucione, reafirme seu ponto de vista, amarre o texto com seu final... Ou então uns guias em tópicos, como receitinhas de bolo, mais ou menos assim:
    *Qual é o tema?
    *Qual é sua tese?
    *Quais são seus argumentos para defender a tese? (Pergunte-se qual é o problema, como resolvê-lo, selecione seus argumentos e explique-os objetivamente)
    *Qual é sua proposta de intervenção?
    Virgem Nossa Senhora! O que é que estamos fazendo com os nossos pequenos? Ao invés de deixá-los criar, escrever intuitivamente, com liberdade, atrevimento, autonomia, ou de colaborativamente elaborar com eles um bom projeto para guiá-los em frente à página em branco, nós lhes damos a coisa pronta, determinando-lhes não só o que deve ser feito mas como. Nós podamos a liberdade deles de escrever como acham melhor, como se sentem mais à vontade, e os orientamos a sempre repetir a receita básica, batida, - que para alguns, chega a ser chata e mixuruca. Nós esquecemos que existem várias formas diferentes de se chegar na mesma coisa, no mesmo lugar, que não existe fórmula mágica para escrever e muitas vezes as melhores produções são aquelas que partem do inesperado, que se arranjam inusitadamente, que contrariam a formalidade das regras e nos surpreendem na sua forma escolhida de apresentar o conteúdo. A linearidade, a objetividade que tanto se prega é um cárcere, que mina a liberdade do aluno enquanto autor, produtor ativo de seu conhecimento e seu escrito. É uma caixinha fechada que se entrega a ele, enquanto podia-se pedi-lo que pensasse ‘sem teto’, que se abrisse para fora da caixinha.
    Com as avaliações de modo geral, da mesma forma. A ladainha é a mesma, assim como a tragédia, o atrelamento por limite, por uma viseira que colocamos, como nos cavalos. As provas não fazem mais do que pedir ao aluno para repetir o que foi dito em sala de aula, que ele deve memorizar e reproduzir. Devemos parar de tentar fazer os jovens máquinas acumuladoras de informação e começar a ensiná-los a serem críticos, mentes independentes e maduras, capazes de receber um dado, interpretá-lo, sintetizar a partir dele uma crença ou opinião ou conhecimento, coisa que ele é perfeitamente apto a ‘gerar’ por si próprio. Devemos deixá-lo parturiar suas próprias conclusões, não dar as respostas antes das perguntas. Devemos deixá-lo observar plantas, por exemplo, e fazer suas próprias deduções, antes de explicar mastigadamente, cruamente, o que ele irá achar caso se interesse e queira ver com seus olhos. Devemos dar o livro - puro, original - e pedir suas impressões acerca dele, as características que ele apresenta, antes de explicitar miudinho as propriedades daquele certo movimento literário, e o que as produções que o representam vão apresentar. Devemos deixar o jovem livre para construir seu conhecimento, guiando-lhes apenas, supervisionando-lhes, e não vomitando-lhes o que eles devem saber, como devem pensar acerca daquilo, o modo com que devem executar certa tarefa.
    Na produção de texto, na leitura e literatura, na biologia ou na matemática, nossos pupilos carecem de liberdade, de oportunidades de observar e deduzir, criar independentemente. Inventar novas formas de fazer, escrever comentários críticos, sugerir atividades diferentes, que saiam da rotina do livro-texto, da avaliação escrita, da paráfrase de um conhecimento ditado e decorado, e muitas vezes de maneira nenhuma absorvido efetivamente. É um grave crime que cometemos, todos os dias, deliberadamente interná-los na morosidade da repetição, na mecanicidade da assimilação forçada, da aceitação de informações que eles não entendem, que não interpretam por si mesmos, que não se tornam interessantes ou instigantes uma vez que tão automáticas e obrigatórias. Eu urjo aqui senão uma mudança, porque talvez não sei como exatamente propor que aconteça a revolução necessária, um pensamento, uma reflexão, sobre o que queremos de nossos filhos, de nossas crianças, do futuro do país, e do modo como estamos extraindo deles toda a vivacidade de seu conhecimento, a potencialidade de seu gênio, sua criatividade, sua autonomia e liberdade.

Uma introdução

     Alô a todos!

    Estou abrindo página nesta plataforma porque, principalmente, cansei de escrever e largar meus escritos na gaveta. Cansei de falar e deixar o dito escorrer apenas para os ouvidos de minhas paredes. Cansei de pensar sozinha e de me torturar em tempestades de pensamento endógeno. Como uma mente pensante, sinto que tenho muito a dizer, e estou disposta a fazê-lo a quem quiser ouvir. Quero sentir a recepção das pessoas para todas as sensatas abobrinhas que tenho a dizer, e, acima de tudo, chamar a atenção para temas que me intrigam ou me tocam. Quero que outros saibam que tenho algo a acrescentar; tenho opiniões e um cérebro munido de suficiente madureza e independência para formá-las, mudá-las, conceber outras por si próprio, desatado da correnteza que parece varrer identidades e miolos consigo para longe, generalizando o pensamento, tornando-o algo bem simplório. Pensar de verdade é tarefa árdua, exercício que se torna raro. É difícil, nos angustia e desorienta, chega a doer. Pensar, que perigo!

    Recentemente, estive escrevendo um discurso de formatura. Como em toda boa ditadura - vivemos várias -, tive de passar pela censura, e entreguei o texto, relutante, à minha pedagoga para revisão. Ela tinha as seguintes - acertadas - considerações a fazer: “parece que você está desabafando. Está despejando no texto um monte de pensamentos, de impressões suas. Está refletindo, filosofando demais.” Tive que ouvir isso para perceber que realmente estava fazendo a coisa do jeito errado. Aquilo não era um discurso de formatura. Fiz outro, um muito simples, que atendia ao protocolo, e era bastante adequado à ocasião. Ficou bom, mas percebi que não tenho talento para escrever textos impessoais, e desprovidos de pensamentos. E que, tendo tanto na cabeça, quero falar, e ser ouvida. Quero falar pra mais gente, atingir quem quiser me ouvir, porque acho que tenho muita coisa válida para falar. Eu penso bastante. E, felizmente, consigo moer meus pensamentos em palavras.

    Enfim, esta página será bem assim. Minha coluna, meus textos, contendo minhas visões de mundo. (Por isso o meu nome no site, apesar do título diferente - e sugestivo.) Estarei falando as minhas verdades. Minhas, porque a verdade é algo muito subjetivo. Estarei desabafando e refletindo, ora filosofando e ora transmitindo impressões minhas acerca de temas como educação, feminismo, indústria da beleza e da celebridade, alienação e ideologia, nossos ocultos imaginários, preconceito e segregação e outras barbáries modernas, os bens e os males da contemporaneidade, os tempos de ontem, convenções, escolhas, autoconsciência, relações com o outro, cotidianos, literatura, comportamentos.

    É bem provável que vira e mexe eu comece mais ou menos como o segundo parágrafo acima “outro dia, me aconteceu isso assim assado, que me fez pensar nisto e naquiloutro”. Isso se explica porque, à medida que vamos vivendo, vamos observando e absorvendo contextos, e as pessoas que o fazem, e vamos recebendo coisas nas quais pensar, sensações as quais sentir e tentar explicar.

    Uma última coisa. Não tenho página em nenhuma rede social, e uso a dupla negação para enfatizá-lo. Vocês não me verão em outro eletrônico lugar nenhum além deste. Estou apenas aqui e aqui somente. Só o que quero tornar público são alguns dos meus pensamentos, vez que, com eles, de alguma forma, posso ajudar, contribuir, acrescentar. São tantas conversas vazias rolando por aí, se a minha for um pouquinho cheia, como acho que é, estou feliz, e estarei feliz em dividi-la com vocês, multiplicá-las com a sua ajuda.

    Tentarei escrever semanalmente. É uma frequência que deve funcionar pra mim e pra vocês. Sou naturalmente densa, e acho que meus escritos acompanham essa tendência, então é bem possível que ninguém vá querer lê-los em periodicidade maior que esta.

    Saudações estreantes,

    Vitória