quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Redes sociais e (in)autenticidade

                                                                      

  Rede social é um assunto do qual não se foge mais. Nos nossos tempos, mesmo quem não tem (persistente raridade hoje, mas que ainda existe) já ouviu falar de e sabe bem o que é; quem tem quase sempre alega não poder mais viver sem. Faz parte da vida do indivíduo do século XXI, e tal fato sublinha e grifa quão relevantes são questionamentos e análises a respeito.

    Através das redes (que são várias) conquista-se maravilhas. Aproxima-se os distantes, afasta-se os próximos. Num arroubo de sinceridade, diz-se a verdade a estranhos que não estão minimamente interessados e dão-lhe a ilusão de uma solidariedade comovente quando, em verdade, não raro estão rindo e debochando de seu desabafo. Cria-se um circuito de belíssimas mentiras árduo de manter - mas que insiste-se em sustentar à toda custa, sem por um momento considerar capitular e transparecer-se real, e sem nem dar-se conta do que está fazendo. Abafa-se pequenas faces da normal existência que são pouco glamourosas e muito cotidianas para merecem tempo e atenção, sem enxergar que talvez contagiantemente saudável seria o exercício de discuti-las, botá-las em pauta.

    Deixando um pouco de ironias, não podemos negar que o advento dessas plataformas trouxe positivas mudanças. Nelas, nós discutimos mais, conversamos mais, sobre os mais variados assuntos, e muito mais abertamente do que nossos pais ou avós jamais fizeram. Através delas, nós temos possibilidades de contatos também inéditos, antes inimagináveis: barreiras foram transpostas, dissolvidas, execradas na rede. E isso, de fato, é maravilhoso.

    Podemos conversar com mais pessoas a um só tempo, com pessoas queridas que estão longe, em várias partes do mundo; ou pessoas que talvez pessoalmente não conhecemos nem nunca conheceremos. A internet e seus poderosos tentáculos que chamamos de redes sociais fizeram o nosso “mundo mundo, vasto mundo”, parecer menor. Pequeno. Uma criança que carregamos no bolso. Na bolsa. Nas mãos.

    Nossos círculos são mais amplos; nossas possibilidades, esplêndidas. Nunca tantas pessoas sentiram-se tão próximas de todas as outras, nunca tantas de uma só vez sentiram ter tanta voz. A acessibilidade da voluntária exposição dá holofotes (gratuitos?) aos que muito os desejam; a opção do anonimato dá microfone a quem pouco de bom tem a dizer, permitindo maldosos comentários que antes calavam-se, ou em menor escala escancaravam-se e afetavam o seu alvo. A interação abarca ativamente o espectador, o ouvinte, o público, que antes participava quase exclusivamente na ponta receptiva de um espetáculo, de um programa, nas mais variadas mídias.

    Ao pesar todas essas facilidades e belezas com seus contrapontos negativos, eu particularmente ainda não me convenço. Tenho cá minhas ressalvas, sinto-me ressabiada. Pergunto-me se não cabe, dentre outras tantas interrogações, questionar se muitas das conversas que estamos tendo são genuínas, autênticas; se todas essas possibilidades ao alcance das mãos e ao deslize de um dedo estão sendo bem aproveitadas, e nos fazendo bem.

    Pois, será que nós postamos o que realmente pensamos e queremos dizer, e não o que pensamos que os outros querem que nós postemos? Será que postamos a vida que realmente temos, ao invés de a vida que queremos que os outros pensem que temos?

     Até que ponto a interação que existe por meio dessas redes sociais não é uma muito pouco autêntica, na medida em que nós criamos uma fictícia outra “versão” de nós mesmos para exibir - uma normalmente embelezada, mais constantemente sorridente, badalada, cheia de amigos, popular e querida do que somos na realidade? Até que ponto, uma vez que quase todas as pessoas assim agem, é possível realmente conhecer alguém por via digital, se só o que vive ali é uma imagem, artificial, fabricada, exagerada, criada para viver a intensa competição de aparências que existe nesse recinto, em que todos vaziamente invejam e querem ser invejados por impressões quase sempre ilusórias que deixam acerca da própria vida?

    (Convenhamos, gente, ninguém confessa aos múltiplos olhos da tela que está tendo um dia absolutamente banal, uma crise existencial, um momento em que se encontra sozinho, triste, perdido na vida, sem saber o que fazer com ela ou consigo mesmo. E, até onde eu sei, todos temos desses dias, desses períodos... Por que, então, eles não aparecem?)
      
     Até que ponto é saudável a corrosiva, ácida, sorrateira ansiedade que é gerada por essa competição de aparências e o constante estado de patrulha para "não ficar para trás e ter/mostrar uma vida tão linda e badalada quanto a que todos em volta parecem ter"?
 
    Até que ponto, ao invés de encontrarmos novas pessoas, não estamos nos perdendo no processo de tentar manter a outra face de nós mesmos, a persona que erigimos para ali nos representar? Até que ponto não estamos perdendo contato com nossa verdade, nossa profundeza, e perdendo um tempo em que poderíamos estar vivendo de fato, enquanto gerindo nossa paralela social existência na rede, atrofiados em nossa peculiar personalidade pelo desejo de agradar, de atender o que - achamos - todos esperam de nós, para nos fazermos visivelmente queridos e bem cotados?

    Eu me pergunto... não vale avaliar se alguma grande parte da beleza que nós vemos nessas plataformas não são grandemente ilusórias? Como um espelho d’água em que, ludibriados, entorpecidos pelo encantamento e o vício da coisa, deixamos de enxergar os malefícios sólidos e palpáveis, o escorre improdutivo de tempo, a falsidade, a tristeza, a inveja, a "realidade" complicada que emerge dali, existe ali, e nos faz afogar em espiral poderoso? Ou se, mesmo enxergando, conscientes de tudo isso, nos deixamos levar na enxurrada, talvez imprudentemente, somente para evitar o esforço de nadar contra?

    É algo no que pensar...

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