quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Moda e individualidade

                                                                   

     Já viram aquelas pessoas - irritantes convictos com síndrome de superioridade - que torcem o nariz à moda em todas as formas, à criatividade envolvida na concepção de roupas por original desenho e posterior parto delas à vida em tecidos, texturas, cortes, comprimento e largura, botões e detalhes? Pois é. Desagradáveis essas pessoas, não acha? Esnobes, desdenhando algo que é precioso a outrem, incapazes de apreciar a beleza que há num produto humano? Então... Eu era uma delas até pouquíssimo tempo.
   
    Não gosto de gente que debocha e despreza o que não considera importante, mas que é importante a outras pessoas. Não gosto mesmo; acho este um comportamento ingentil, descortês, pequeno, e tento não ser assim. Mas, neste caso, comecei a entendê-las um pouco melhor ao enxergar a mim mesma nessa posição. Apesar de achar que nada justifica a conduta de desdém que diminui, fere e machuca o outro a partir da incompatibilidade de gostos, entendi que essa reação advém de uma falta de entendimento.

    As pessoas são diferentes, carregam valores diferentes, sentem prazer e veem sentido em coisas diferentes, atribuem importâncias diferentes a coisas diferentes em sua vida. Mesmo tendo consciência desse inescapável fato, é muitíssimo difícil para o falho ser humano aceitar e respeitar isso, na prática.

    Só como básico exemplo, é herculeamente custoso para uma pessoa que não vê graça em carros e acha que o carro é o veículo de quatro rodas que leva-o aonde quer ir movido por gasolina entender uma outra que é aficcionada por eles, vê o diferencial em cada um, demora-se a reparar nos detalhes e gosta de conversar sobre eles.
   
    Da mesma forma, é quase inconcebível para uma pessoa cujo maior prazer é viajar através das palavras, perder-se nelas, adentrando outra história, outro cenário, outro tempo, outros sentimentos, com o nariz poeticamente metido nas aromadas páginas de um livro entender plenamente aquela outra pessoa que não tem concentração para ler e não consegue imaginar tortura maior que acompanhar do início ao fim uma história pela qual não tem especial interesse através das débeis palavras de um autor maluco que se despeja ali e espera que o leitor nade com ele até as profundezas de seu insano imaginar.
   
    É, minha gente. Como disse uma certa brilhante inglesa chamada Jane Austen “uma metade do mundo não consegue entender os prazeres da outra metade”. Os prazeres, as dores, os amores, os gostos e desgostos... Tudo. A polifonia humana é um desafio a, todos os dias, ser encarado por todos. A multiplicidade é o que dá ao mundo sua cor e sua graça e, ao mesmo tempo, o que não raro o torna tão complicado. Não conseguimos entender muito bem o que é diferente. Não sabemos muito bem lidar com o que não entendemos.

    Voltando, um tanto bruscamente, ao início do texto e caminhando à sua culminância, declaro que o que quis vir proclamar através dele é o seguinte: creio que, finalmente, entendi. Entendo. Entendo o apelo que tantas pessoas veem na moda, a razão pela qual ela elasticamente perdura, o quão essencial ela pode ser para a vida da gente, de uma forma geral.

    Pois, num espaço em que todo mundo fala igual, caminha igual, pensa igual, existe igual, é mesmo tentador utilizar-se de todos os disponíveis meios de fazer-se diferente. Vestir desigual. Mostrar quem você é, único, ímpar, distinto de cada uma e todas as pessoas em volta. Demonstrá-lo, sussurrá-lo ou gritá-lo, também, através de seu estilo de roupa, suas combinações próprias.

    Ou, em contrário, num espaço em que a multiplicidade tem um brilho quase cegante, em que reina soberana a lei do cada um, a obrigação da originalidade, da singuralidade, o epidêmico ditame da solidão, da distância, da até cansativa diferença, a moda pode ser um veículo eficiente do reverso. A moda (aqui utilizando-me leigamente do termo, não para referir-me ao que está em voga, nem às grandes criações, mas às roupas que se escolhe vestir) pode ser uma maneira de sentir-se melhor, parte de um, parte orgulhosa. Uma maneira de silenciosamente dizer ao outro a tribo à qual você pertence, o time, a sociedade, a irmandade; o grupo com o qual se identifica, as ideias que melhor te representam, nas quais você acredita.

    A moda, de um modo ou de outro, é uma forma de expressão. (Minha nossa, como demorei a entender isso!). Assim como é a ornamentação de palavras em prosa ou em verso para uns, a fluída carícia da música para outros, a magia do desenho ou da pintura, o erguimento de belos prédios, a dança, para ainda outros. A moda é um meio pelo qual as pessoas se exprimem, dizem ao mundo como se sentem, como se entendem nele, como se veem e querem ser vistas, o que pensam e o que não pensam. É um desvelo visual da individualidade de alguém, da sua unicidade, diferença, da sua identidade, identificação, pertencimento. É um canto imagético de sua personalidade, vestida em tecidos e panos e cortes e emendos juntados combinando a mostrarem (ou esconderem) quem você é.

    E que possam essas minhas palavras - agora, creio, melhor esclarecidas - redimirem minha passada ignorância nesse belo respeito.                                                              

4 comentários:

  1. Adorei! Esse texto me felizou! :)

    ResponderExcluir
  2. Merci, Anonym! Fico feliz que tenha te felizado! ;)

    ResponderExcluir
  3. Oi Vitória, aqui é a Suzy, da vivência do V EIEMC. Tinha deixado um comentário aqui, mas acho que não foi, pq não estou encontrando... Enfim, repito que adorei seu blog e as reflexões que você com convida seus leitores a fazer. Você escreve muito bem. Continue, por favor... Morri de saudades da época que também dedicava algumas horas da semana ao meu blog, bons tempos. Parabéns! Um grande beijo. Suzy

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Alô, Suzy!
      Nossa, que alegria ver você por aqui! Muito bom saber que está visitando meu cantinho virtual e gostando. ;) Esses comentários dão mesmo muita motivação para a gente prosseguir.
      Continue acompanhando!
      Obrigadão, e um beijo!

      Excluir