quarta-feira, 8 de julho de 2015

O problema da curtida

                                                                    
   
    Esse vídeo tem _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ visualizações.
    E _ _ _ _ _ _ _ _ _ pessoas curtiram essa página.
    Eles devem ser bons.
  
    Quem nunca ouviu frases como essas? Agora, com as novas tecnologias de informação fazendo parte enorme das nossas vidas, com as novas “mídias sociais” inundando cotidianos de aparentemente quase todo o mundo, essas são frases que ouvimos com frequência. Irritante frequência. Tudo o que é compartilhado pode ser recompartilhado por outras pessoas, e ainda avaliado, com os tais “joinhas” que simbolizam o curtir, ou não curtir, com os comentários habilitados para todo lado - e com tudo isso podendo ser convertido em visíveis e falantes números.

    Por que isso é um problema?

    Uma pesquisa recentemente publicada pela University College London e o Centro Anna Freud, na Inglaterra, mostrou que nos últimos cinco anos percebeu-se assombroso aumento no número de meninas de 11 a 13 anos com risco e propensão à uma série de distúrbios e problemas emocionais graves, como ansiedade e depressão. E uma das principais causas de tão grande aumento em tão pouco tempo, especulam os estudiosos, é justamente o uso corrente das benditas redes sociais. Como assim?

    Podemos dizer com um grau razoável de convicção que, em termos de faixa etária, é a camada jovem da população aquela que mais utiliza as mídias sociais, que mais horas do dia passa nelas, mais intensamente ligada e envolvida nelas fica. E essa é a fase da vida em que uma pessoa está se afirmando no mundo, aprendendo a andar com as próprias pernas, delimitando a sua identidade, reconhecendo a si mesmo no seu meio em relação ao outro. É uma fase de transformações e inseguranças, em que a aprovação do outro é muito importante, sua aceitação social é considerada de uma forma essencial que em outras fases da vida jamais será. Na juventude, mais do que em qualquer outro momento da vida, é importante se sentir aceito, e mais do que isso, se sentir querido.

    Nesse contexto, é bem isso que o número de curtidas vem “medir”, e é aí que causa problemas - não só para jovens, já que todas as pessoas de um modo ou outro se afetam ao saberem-se mais ou menos queridas, mas principalmente para eles, já que a sabedoria de genuinamente não ligar para sua “popularidade" não chegou ainda, e a confiança em si mesmo, não nascente no respaldo e na confiança atribuída de outrem em você, também não.

    Pois, se um jovem recebe muitas curtidas e bons comentários numa foto postada de si mesmo, em que se produziu todo e está mostrando destacadamente os contornos de seu trabalhado corpo, então ele está em forma, sua imagem corporal é bem cotada. Se uma jovem compartilha uma certa frase estupendamente boba que achou interessante, e igualmente tem considerável número de joinhas, ela imediatamente conclui que é maneira, é aceita, está integrada a um círculo extenso de pessoas. Se, por outro lado, alguém está em um dia ruim, cinzento e triste, e abre sua página em alguma dessas plataformas, e vê que tem 6 seguidores, enquanto um outro conhecido tem 120, então mais ainda ela acaba de se deprimir.

    A comparação é clara e é cruel. A mensagem que se comunica e interioriza, nesse caso, é a seguinte: ele é muito mais interessante do que você, literalmente 20 vezes mais querido do que você - mesmo que seja alguém de capacidade intelectual e sensitiva pobre e reduzida e tenha muito pouco a falar por si mesmo, e que você seja alguém imensuravelmente mais culto, mais perspicaz, mais sensível. Assim, o efeito dessa comparação, tão explícita, por números, pode ter efeito devastador em quem está frágil naquele instante, ou em quem já tem uma instabilidade emocional marcante.
     (Entendam, não estou sendo radical aqui. Não estou dizendo que ninguém deve curtir mais nada, e deve abolir o uso do "gostei" e "desgostei". Só estou propondo uma reflexão em como pautamo-nos nesses números para formar primeira ligação com alguma coisa ou alguém, e como eles podem afetar quem não os considera com moderação.)

    Em suma, respondendo a pergunta que fiz logo no início, a curtida é um problema porque traz a quantificação nítida, clara e pública de seu nível de “aprovação” social, que antes não poderia ser “medida” dessa precisa forma. Traz a quantificação muito errônea, aliás, de algo que não pode ser quantificado, e é um valor que está mais para ser avaliado na qualidade do que na quantidade. Traz a possibilidade de uma comparação que muitas vezes não traduz a realidade, e é baseada em parâmetros que podem ser relativizados: nós associamos popularidade a qualidade; aquilo que tem um grande número de aprovações, portanto, deve ser bom. Como se essa relação pudesse ser feita, como se ela sempre pudesse se provar verdadeira.
   

2 comentários:

  1. Muito bacana!
    Essa nova perspectiva de construção das relações sociais me assusta um pouco. É nítida a perda de parte da Inteligência Intra e Interpessoal, haja vista a fragilização do autoconhecimento e a incorporação de hábitos inconscientes e dependentes de aprovação. Engraçado que tudo isso é protagonizado pela geração Selfie, palavra que direta ou indiretamente nos remete a autonomia..
    É muito interessante notar que o mito de narciso continua mais presente do que nunca, só que agora o lago é digital e o reflexo não é retrato de si, mas resultado de inúmeros julgamentos exteriores.
    Beijujubas!

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    1. Pois é! Vivemos uma era de curiosos paradoxos. E cabe mesmo relativizar o quanto estamos "evoluindo", já que ainda padecemos com os mais clássicos problemas da humanidade, que só se apresentam com uma capa diferente.
      Muito obrigada pelo comentário! Beijinhos!

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