quarta-feira, 22 de julho de 2015

Medo de quê?

                                                                      
 
    Todo mundo tem medo de alguma coisa. Pode tentar esconder, pode negar e negar, mas é muito provável que tenha algum grande medo, e isso não é motivo nenhum de vergonha. É natural, normal do ser humano sentir medo; anormal é não sentir.

    Eu acho quase incrível a capacidade que o ser humano tem de magoar o outro, desrespeitar o outro, e também incrível como a maioria das pessoas não deixa de usar desse seu poder sempre que tem a chance. Essa babaquice, tão desnecessária, normalmente me incomoda bastante, mas às vezes chega a níveis tão extremos que chega a ser franca maldade, e isso muito me enraivece.

    Uma das ocasiões em que a babaquice vira maldade é quando rimos dos medos dos outros. Rimos, debochamos, fazemos graça de algo que para alguém não tem a menor graça.

    Conheço uma pessoa que tem medo de cachorro. Não sei se ela passou por alguma espécie de trauma envolvendo cachorro, mas o fato é que sempre que vê um perto, mesmo que ele esteja em paz, ela trava. Paralisa mesmo, treme, não consegue sair do lugar, reagir de forma alguma, fica aterrorizada. O cão precisa se afastar, ou ser afastado, para ela recuperar posse de si mesma, sair desse estado de medo e terror. Não tem a menor graça.

    Tem gente que tem medo de bicho - sejam cavalos, galinhas, aranhas, cobras, gatos ou cachorros. Tem gente que tem medo de estrada, ou de ficar sozinho. Tem gente que tem medo do próprio poder de ferir-se. De chuva, raios e trovões, de água, de fogo, do mar. Tem gente que tem medo de voar. Tem gente que tem medo do medo, medo de ousar, de fazer diferente. Medo de não ousar, de jamais arriscar, de não acreditar. Tem gente que tem medo de ser o que é, tem gente que tem medo de ser o que não é. Tem gente que tem medo de morrer, tem gente que tem medo de viver... 

    Todos temos nossos medos, e ao invés de rir dos medos dos outros, devíamos pensar que alguns dos nossos medos podem parecer a outrem tão bobos quanto os deles parecem para nós, e que nem por isso eles nos são menos reais ou merecem ser menosprezados. Devíamos tentar nos colocar no lugar do outro e entender o que ele está sentindo.

    Eu tenho, entre outros, dois grandes medos, muito fortes e muito meus, com os quais, acredito, ninguém pode me ajudar. 

    Tenho medo de não ter propósito, e mais que isso, não ter serventia. De levar uma existência sem sentido e sem valia. De sentir - e ter confirmado esse sentir - que minha vida não vale a pena, porque eu não valho a pena, e não acrescento, não agrego em nada, não tenho contribuição nenhuma a fazer, pois o que eu faço não tem valor, não é significativo, não faz nenhuma positiva diferença. De não ser importante, de ser inútil, de ser... vazia. 

    Tenho medo de cidade grande. Tenho medo do trânsito que costumo encontrar nesses lugares, do tamanho, do caos, do avassalador poder que ela tem de me fazer me sentir pequena. Da violência, do não poder confiar nas pessoas que estão ali, por não conhecê-las e não ter a chance de fazê-lo, do quanto me sinto sozinha e desamparada, descartável e vulnerável, quando estou num lugar que assim comumente pode ser descrito. É horrível, para mim, estar numa cidade grande. Especialmente se eu estiver sozinha, sinto muito medo. 

    Pelo menos, esse é um medo que, ao contrário do primeiro, não me paralisa e me corrói, mas me move, me move a - normalmente, quando estou (tenho que estar) num desses redutos de cosmopolitice gigante - fazer tudo o que eu tenho que fazer ali da forma mais rápida possível, e em seguida, partir na mais temprana hora da rodoviária conveniência.

    Parece engraçado? Confesso que é um pouco engraçado para mim também - enquanto estou aqui, no encantado sossego de minha cidade pequena. Mas, não ria de mim, leitor, e não me largue sozinha numa cidade grande, que eu não me sentirei segura nem feliz, eu sentirei medo - e ele não é uma sensação boa.

     Sentir medo é normal, e até um bom sinal. Ele nos é um lembrete da nossa humanidade, fragilidade, fraqueza. Antigamente, nos tempos das cavernas, o medo era uma espécie de nosso melhor amigo, ferramenta necessária de alerta do nosso instinto de sobrevivência. Hoje, pode ser que estejamos mais protegidos - da natureza, eu digo. Hoje, os medos são outros, mas nem por isso menos significativos. E só o que podemos fazer é não deixar que eles nos paralisem por completo.

    Em suma, o que eu queria dizer hoje era isto: devemos respeitar os medos dos outros, como todas as suas particularidades. Não devemos fazer escárnio deles, dispensá-los como a maior idiotice que se já se viu, a maior bobeira. As pessoas são diferentes, têm medos diferentes, e nós precisamos aprender a reconhecer e a respeitar isso. Ninguém merece se sentir diminuído por conta de um medo - que é apenas natural do ser humano e diferente, enquanto próprio de cada um. 

    Você, por exemplo. Do que você tem medo?

2 comentários:

  1. Particularmente, eu não tenho medo de coisas específicas. Tenho medo do medo, medo de sentir medo. Como você bem disse, ele não é uma sensação boa...
    Muito bonito o texto, continue postando!

    ResponderExcluir
  2. O medo é mesmo um sentimento que não queremos sentir. Ele é pior, inclusive, do que aquelas dores que não queremos doer...
    Muito obrigada pelo comentário!

    ResponderExcluir