quarta-feira, 15 de abril de 2015

As coisas valem pelas pessoas que nos trazem

                                                                   

    Quando o coração está em desassossego...

    Suas pernas andam a esmo, e não encontram um rumo, nem meio.

    Você chega a todos os lugares, e não está em nenhum.

   O peito angustia, aperta, e parece impossível desfazer o nó, suavizar a sensação tão próxima de se estar perdido, longe.

    A cabeça martela, o pensamento lateja, tudo a seus olhos é estranho, nada lhe parece familiar, importante, sequer mesmo real.

    Você está como que preso num limbo, em que voluntariamente se colocou.

    O sentido de tudo, do todo, de estar e não ser, é confuso, sufocante, intoxicante.

  Você se enlabirinta tentando encontrar um sentido, um outro sentido, querendo justificar-se, explicar-se a si mesmo. E, para seu desespero, sua tontura, seu choro, não consegue.

    Você mudou de endereço, mas ainda não o tornou o seu lar.

   E assim, você hiberna e flutua, você não tem mais ao mesmo tempo que ainda não tem... o seu lugar.

    Mudança.
 
   
    Eu acredito muito na importância das pessoas. Apesar de todo o engano que tem havido nessa órbita, de todo o distanciamento da gente quase toda dessa tão rústica verdade, tão simples e funcional consciência, eu ainda acredito na força e no valor do humano. A vida é feita muito mais de pessoas do que de coisas, pois as coisas não têm sentido sem as pessoas: as ideias precisam de alguém que as tenham, os planos de alguém que os realize, as posses e os bens e as conquistas e as coisas perdem a graça se você não tem pessoas com quem dividi-las, pessoas que vão fazer você querê-las por elas, para tê-las junto com elas.

    Ou não é fato que é tão mais gostoso ver um filme quando se tem alguém com quem discuti-lo, debatê-lo; alguém ao seu lado que pipoca comentários ao longo da exibição e ouve os seus, com quem se compartilha impressões ao final dele e constrói-se uma leitura - ou não se constrói nada, no feliz silêncio, além da conclusão de um tempo passado em alegria e delícia?

    Ou não é fato que a mesmíssima comida tem gosto diferente quando provada em situações distintas, sozinho e acompanhado? Não tem muito mais graça o ritual da refeição quando compartilhado, com a mesa completa, voz e riso e conhecido carinho em redor; não é muito mais lento, conscientemente sentido, percebido, regozijado o ato do levar o garfo à boca quando o ambiente preenche-se por presenças e não por ausências; não é muito mais gostosa, realmente, a própria comida, se saboreada com o tempero da companhia?

    Não é tão mais completa uma viagem, memorável sua experiência, se o seu lado por todo o trajeto não está vazio, se as malas são duplas, também as fotos, e os risos; se você tem com quem rir por todas as gafes, todos os erros, as direções enganadas, com quem relembrar os bons momentos, a visita inesquecível ao lugar que tanto adorou?

    Não é até mais suave a derrota, menos dolorida a queda, quando se tem aqueles com quem sofrê-la, aqueles que vem ao seu apoio e consolo, e te fazem rir mesmo nesse momento logicamente tão pouco propício ao riso? Não é muito mais significativa a vitória, a conquista, quando há com quem celebrá-la, aqueles que estiveram com você ao longo do caminho, e agora muito sentem contigo também a sua alegria?

    Eu poderia encumpridar isso aqui praticamente ao infinito. Poderia ser interminável em mais exemplos, comentar mais e mais situações com as quais todos se identificam, sensações pelas quais todos já passaram, das quais todos com certeza conhecem o gosto, o amargo e o doce. Mas já passei minha mensagem. Ela é simples, quase infantil, mas nem por isso perde, para mim, sua validade e seu valor.

    Machado de Assis disse assim “as coisas valem pelas ideias que nos trazem”. Eu digo que as coisas - os objetos, as artes, as viagens, os acontecimentos, os lugares - valem pelas pessoas que nos lembram, pelas pessoas  que nos trazem.

    Estou puxando o fio do lugar porque ele é o que agora experimento, mas ele é só um dos que podem exemplificar a situação de mudança e deslocamento de apego, desenrolar o novelo do apelo e do sentido das coisas para nós. Enquanto não criamos laços com as pessoas de um novo lugar, enquanto ainda não amamos a rotina que temos em torno delas, vivemos momentos memoráveis com elas, então igualmente tênue e frágil é a nossa relação com esse lugar, igualmente vazio de valor, desprovido de sentido e significância ele é. Ainda não aprendemos a amá-lo porque não amamos as suas pessoas. E quando, somente quando, elas tiverem significado para nós, tornarem-se queridas, únicas e insubstituíveis, assim também será o lugar seu enredor, o lugar em que as encontramos, o lugar que nos trouxe a elas, e assim nascerá o afeto que teremos para com ele.

    As coisas, os lugares, as vivências, valem - também e principalmente - pelas pessoas que nos trazem.

7 comentários:

  1. Vitória,
    as coisas valem por pessoas como você, por TALENTOS igual ao seu... Você brinca com as palavras como Mozart com as notas musicais.

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    1. Mônica,
      Obrigada pelo carinho, você não sabe como é importante para mim!
      Mas, quanto a comparação, vamos combinar, Mozart foi um gênio, eu sou só alguém que sei colocar pensamentos num papel...

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  2. Este, agora, é meu post favorito! Concordo totalmente com o que você escreveu-também sinto isso. Eu, pessoa anônima, tenho uso um chaveiro especial de um lugar que eu ainda não conheço e que me lembra de quem me deu (oi!), isso vale mais do que o chaveiro em si. ;)

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    1. Oi, pessoa anônima, que saudade!
      Engraçado, eu também tenho um lápis especial de um lugar que eu ainda não conheço e que me lembra de quem me deu, e isso vale mais do que o lápis em si (que não uso só para não correr o risco de acabar com ele, já que, bom, eu escrevo bastante, hehe, e parece pecado borrocar a memória com um toquinho).
      As coisas valem pelas pessoas que nos lembram.
      Um abração

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    2. Olá, autora! Fiquei muito feliz por ter lido meu comentário e respondido! Muito interessante essa história do lápis... Bem, a pessoa anônima não tem saudade porque ela não te conhece, mas a pessoa não-anônima tem (o que não significa que ela te conhece, ou significa- vou deixar o mistério no ar).
      Continue postando
      Abração também!

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  3. Oi Vitória, amei o texto! Não esperava menos de você, claro. Me identifico com a forma que escreves assim como me identifiquei com o texto. Afinal, quem não atribui cada objeto, lugar, ação - cada coisa- a alguém especial?

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    1. Pois é, Leo, humanos, demasiadamente humanos somos todos... Muito obrigada pelo carinho

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