quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O vício da embalagem

                                                              

   Há algumas semanas (ano passado), um pequeno grande burburinho fez-se ouvir na mídia em torno de uma atriz que apareceu irreconhecível numa cerimônia em Los Angeles. Renée Zellweger pode ou não ter feito procedimento cirúrgico ou cosmético, mas o fato permanece de que mudanças em seu rosto são notáveis e serviram de mote para mais uma vez levantar o assunto estética, e até onde somos capazes de ir por ela.

    Em primeiro lugar, achei curiosíssima a postura de grande parte da mídia, que criticou e debochou as transformações da atriz, e talvez sua atitude de fazê-las, enquanto é, inegavelmente, a principal força motriz dessa generalizada obsessão por beleza, a principal difusora dessa indústria, a invisível instituição que instigou o germe que motiva as pessoas a tantas loucuras por sua imagem e colocou Renée nessa posição em que ela tende a fazer tudo e qualquer coisa para manter a aparência. Em segundo, os comentários favoráveis parecem fazer mais do que simplesmente prestar elogio ou apoio à estrela de “Bridget Jones”, parecem esconder o problema cerne da questão: estamos chegando à um ponto de culto à superfície que é doentio, no qual nem percebemos a tremenda insanidade de tudo isso.

    Muitos dizem que optar por botox, cirurgia plástica, cremes, tratamentos e afins é perfeitamente aceitável se isso vai te fazer mais feliz, se vai te ajudar a elevar sua autoestima, viver melhor consigo mesma e com os outros. Dizem que, caso a coisa toda seja feita com segurança, com um profissional qualificado e numa clínica especializada, por métodos confiáveis, está tudo bem. Desculpem, não está tudo bem.

     Cada vez mais as pessoas estão se submetendo a procedimentos caros e perigosos para se tornarem mais bonitas, tentando se admitir na zona do universalmente considerado belo, mesmo sabendo que o conceito é relativo, e há várias formas de beleza. Se submetem a procedimentos caros e perigosos para se sentirem mais bonitas e terem a ilusão de que estão mais felizes por isso, quando, na verdade, se fossem realmente felizes e bem resolvidas consigo mesmas, não precisariam recorrer à esse tipo de fútil coisa para se sentirem mais felizes.

    Sinceramente, o exterior é só um dos elementos que constituem uma pessoa. É importante, sim, o primeiro que se vê, mas não é o único, e nem de longe o mais importante, o essencial. Nós somos mais do que o estampado à vista. Mais que um sorriso bonito ou um corpo perfeito, mais que rugas, olheiras, nariz torto ou dentes desalinhados. Lindas ou feias, devíamos praticar a arte da aceitação, de ser feliz simplesmente com o que somos, ou temos, e parar de venerar a superfície. Ao invés disso, devíamos tratar do conteúdo. De conhecer pessoas interessantes, ter conversas enriquecedoras, ocupar-nos com atividades que nos dêem prazer, e fazer uma pequena diferença no mundo, um trabalho importante. Devíamos dedicar menos espaço mental, energia e tempo em aparência, e nos preocuparmos mais em viver a vida, em viver uma vida que valha a pena.

    Também devíamos parar com essa neura de ficarmos mais jovens, de tentar não envelhecer. Meu Deus, que besta idiotice! Os sinais da idade deviam ser comemorados! É uma grande vitória ter vivido muitos anos, visto muitas coisas, ter histórias e histórias pra contar. Ter vivido é algo celebrável. A idade é algo de que todos devíamos ter orgulho, e mostrar como um troféu, não tentar disfarçar, atrasar, ou pior, apagar.

    Posso estar soando deveras radical, e entretanto, no fundo sei que estou sendo apenas razoável. Afinal, porque subitamente é tão necessário gastar algumas centenas de reais por ano na própria imagem, quando melhor obra que a natural não há, e respeitá-la, sem violá-la com toda sorte de processos agressivos, é o curso mais seguro para a saúde e o bem-estar? Acompanhar todas as tendências não é uma opção para quem deseja uma existência plena. Tampouco o é ficar lutando contra a inevitável, e talvez muito positiva, ação do tempo. Além do que, estar sempre insatisfeito consigo mesmo é jeito pouco sábio de se viver; e incessantemente olhar-se no espelho e desejar voltar cinco anos no tempo para ter aquele rostinho de antes, ou os quilos a menos, não é maneira boa de viver tão curta vida, e de manter no rosto um sorriso que - além de fazer muito bem ao espírito -, evita rugas, e realça a sua beleza com o brilho da alegria.

     De qualquer forma, para mulheres e homens - que também vêm sofrendo as exigências da estética, mormente no quesito corpo e silhueta -, o cenário é grave e pede reflexão. Precisamos desesperadamente de uma virtude que está em falta: a habilidade de ser simplesmente feliz com o que se é, e não estar eternamente insatisfeito, especialmente com a própria imagem. Precisamos ainda mais urgentemente de um lema que devia governar também as nossas queridas marcas comerciais: deve-se largar um pouco de lado a embalagem, e preocupar-se mais com o conteúdo.
   
   

Nenhum comentário:

Postar um comentário