sábado, 10 de janeiro de 2015

Coisas que os mineiros não sabem


   Sabe aquelas coisas que quando alguém conta, você fala assim “ó”. Isso é coisa de mineiro. E o mineiro mais roceiro um cadinho fala assim “ óia bem!”. E o mais roceiro ainda põe a mão na cintura, dá aquele sorriso faceiro que só o mineiro sabe fazer, e diz “vê se pode um trem desse!”.

    Pois é. Hoje, eu vim contar uns trens desse. Não sei se é porque estou longe de casa que estou assim suspirante, querendo falar de Minas... Engraçado como certos amores palpitam mais fortemente à distância, não é? Ou talvez seja só o fato de eu gostar de colecionar essas bobeiragens interessantes, curiosidades culturais - que aliás não são bobeiragens nada -, e gosto de dividi-los também, quando posso.

    Bom, mas já enrolei bastante, vamos a elas.

   A maioria dos mineiros não sabe que a expressão ‘pé rapado’ é muito nossa. Na Minas Gerais colonial, havia igrejas separadas para brancos ricos - que nada faziam, e trabalhavam com afinco numa ocupação chamada ócio -, outras para negros - que não eram considerados gente -, e outras para brancos pobres, que, em sua maioria, trabalhavam em pastos, fazendas e roças, e viviam com as botas sujas de barro ou das excretas de certos mamíferos nossos companheiros. Então, antes de entrar na igreja, estes últimos rapavam o pé (a bota, tamanca ou chinela) em uns ferrinhos dispostos no chão ao lado das entradas dos tais redutos de reza. Pobre coitado, que trabalha e trabalha, e mal tem onde cair morto. Pé rapado.

    Da mesma forma, a expressão ‘tem ouro aí’ que é dita quando você tropica em algum lugar. Essa eu acho um charme! Na Minas Gerais do mesmo período, tanto ouro havia que todos diziam que não era difícil tropeçar nele. Era só cavacar um tiquinho em qualquer canto, que se achava ouro.

    Muitos mineiros não sabem, mas Minas hospedou Machado de Assis, e em um momento particularmente difícil de sua vida, em que sofria muito dos castigos da epilepsia - e da vergonha de suas crises, tornadas espetáculos públicos. Ele veio com a sua Carolina, a convite de alguns conhecidos, e escondeu-se um pouco, estando em um sítio em Antônio Carlos, além de visitar Três Corações, Juiz de Fora, e Barbacena, que uma outra pessoa documentante da viagem descreveu como “cidade velha e feiíssima, enladeirada, e com péssimo calçamento de pedras irregulares”. Isso em 1890... Em 2015, não está muito melhor, tadinha.

    E pobres cariocas de passagem! Se acharam Barbacena enladeirada, imagine se fossem à Ouro Preto. Eu suspeito que Deus não só dá o frio conforme o cobertor, também dá o morro à medida que as pernas aguentam.

    Muitos mineiros sabem, mas se esquecem, do nosso aviador pai, Santos Dumont, nascido na Serra da Mantiqueira, para brilhar nos céus de Paris. Embora mineiro de nascença, do sítio Cabangu, ele deve ter se lembrado muito pouco daqui, tão pequeninho foi embora, primeiro para Valença, no RJ, em seus quatro anos, depois para Ribeirão Preto, Paris - que foi o seu lar -, e suas várias andanças nos finais anos melancólicos que passou aqui no Brasil. Ele foi outro gênio lastimado por doença triste - no caso dele, a esclerose múltipla -, que tanto frustrou-o em suas provocadas debilidades e não lhe permitiu levar adiante sua vida de aviador.

    Muitos mineiros não sabem, mas especula-se que o triângulo original de nossa bandeira era verde. Mudou-se depois pra vermelho, que é a cor republicana, e um grande símbolo, o tom maior, das revoluções. Eu não sei porquê, esse detalhe me agrada. Gosto da ideia de pertencer à um estado, digamos, calmamente rebelde.

    Se tem algo que é uma marca muito minha é isso: meu orgulho de minhas origens, e meu apego a elas. Eu posso ir para onde for, mas de alguma forma, sinto que sempre estarei de volta. Meu lugar é aqui. Aliás, lá. Minas Gerais é a ponta seca do meu compasso, onde minha referência está, meu lar, e não importa o quão longe o raio grafitado da vida me faça orbitar por um tempo, eu sinto que tenho em mim o ponto de onde tudo partiu, e para o qual tudo voltará. Sou mineiríssima, de nascença, de coração, por opção. (Embora eu goste bastante do mar, e ame o Rio de Janeiro, cidade com a qual tenho um caso de amor seríssimo. Mas esse é causo para outra história.)

    Eu sou tão mineira, mas tão mineira, que antes mesmo de saber de sua história, eu já cultuava seus maiores símbolos. Meus pais contam que quando eu era menor, gostava de ‘juntar dinheiro’, mas só em moedas de ouro, as ‘douradas’. Não gostava das ‘de prata’, e desconfiava das ‘de bronze’. Curioso esse instinto mineiro, né? E, a propósito, eu juntava dinheiro para comprar uma fazenda grande e enchê-la de cavalos. Eu era fanática por cavalos... Ainda sou, aliás... E não sei se posso dizer que desisti, lá no fundo, da minha fantasia de ser sinhá da roça, num sobrado imponente, com fogão à lenha crepitando e a lavoura preenchendo toda a vista. Num lugar bonito, onde minha comadre venha me visitar pra uma broa, ou pra um café com pão de queijo; onde eu tenha vários bichos e vá dar bom dia pra eles. Um cantinho quieto, onde nada pode macular o sossego dos dias, onde a loucura da civilização não chega, onde poesia maior não há que o som do berrante, junto com passos de uma botina de couro... Como são engraçados esses sonhos de infância dos quais a gente não se desgarra!

    Ai, meu coração apertado... Eu quero minhas galinhas, meus bichinhos, minha rua de pedra... Ai, que saudade de casa!

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