quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Divagações de uma mente antiquada


 

    Tenho um amigo escritor. Seu nome é Lucas (ou L.S. Bertolino, como ele imprime em seus trabalhos). É barbacenense, formado em Letras, tem vinte e três anos, e seus livros são verdadeiros organismos, espécimes poderosas e surpreendentes de literatura fantástica.

    Mas não é de Lucas ou de sua obra que eu venho falar hoje (embora eu sincera e entusiaticamente a recomende. O segundo volume de sua série “A lenda de Arion” foi publicado recentemente e vale a pena cada página). Venho falar sobre a mídia principal de seu marketing - seu e da maioria dos outros escritores e artistas independentes dos nossos tempos modernos. Venho discorrer um pouquinho sobre a internet, seu novo papel enquanto rede de comunicação, e as diferentes formas de interação que nasceram com ela.

    Lucas tem seu perfil em várias redes sociais, sua estória tem um site. É natural que, como profissional das letras e difusor de sua produção, ele queira atingir o maior número possível de pessoas e possibilitar que elas também tenham acesso a ele. Entretanto, não é mais incomum que essas outras pessoas também tenham seus próprios canais, compartilhem suas opiniões, sugestões, gostos e vivências através da internet, promovendo-se e fazendo contato com muita gente, mesmo sem um produto, uma ideia ou arte específica para divulgar. A rede mundial de computadores revolucionou o nosso conceito de interação, tornou-se plataforma importante de convívio, de comunicação, de ampliação de círculos de amigos, cultura e informação. Chega a ser onipresente, a ponto de os mais jovens se perguntarem como pode haver vida sem ela.

    Mas pode, e já houve. A internet é invenção novíssima, afinal, se comparada à humanidade, que tem seus milhares de anos, e que apenas mais recentemente passou a conviver com as grandes mídias audiovisuais. O cinema é das primeiras auroras do século XX. Os anos 30 do mesmo século viveram a era do rádio, e os anos 70 viram o estouro da televisão  - estouro tão poderoso que inclusive a produção musical do período girava em torno do que era veiculado pela telinha. Programas de rádio eram parte essencial do cotidiano de nossos avós; telenovelas eram o entretenimento imperdível das noites de nossos pais. Dessa época, sabemos ao ouvi-los contar. Ninguém perdia um capítulo. Todos ficavam ansiosamente querendo o prosseguimento da história, esperando a hora da novela, e tinham olhos grudados à TV quando ela finalmente começava. Hoje, nós não nos desligamos é da internet, estamos a toda hora conectados.

    Similarmente, os protestos contra a ditadura militar eram todos combinados por grupos que se reuniam em casas particulares ou redutos estudantis, que se contactavam por telefone fixo e divulgavam, na medida do possível, suas ideias por panfletos e jornais. As contestações eram, também, diluídas e disfarçadas em letras de música. No século XXI, porção significativa da Primavera Árabe iniciou-se e articulou-se através das redes sociais da internet, assim como as manifestações de junho de 2013 no Brasil.

    É curioso perceber como os diferentes tipos de mídia foram sucedendo-se, umas às outras, transformando-se e ao mundo continuamente, transformando o poder das anteriores e paralelas em regime de importância e presença na vida das pessoas. Até mesmo o Enem 2014 chamou a atenção para a mais contemporânea expressão desse fenômeno, trazendo numerosos textos produzidos na internet, gêneros próprios do ciberespaço, charges e imagens que atentavam para o fato de que a mídia virtual vem suplantando todas as outras. Já é impossível fazer televisão sem a participação da “galera da internet”. As grandes lojas virtuais têm a lapela de sua página eletrônica cheia dos produtos “mais compartilhados nas redes sociais”. As grandes marcas não podem mais existir sem lojas virtuais, em primeiro lugar... Não há dúvida. Vivemos na era da internet.

    Eu, declaradamente alguém bastante “pé atrás” com o universo virtual, me pergunto se não estamos passando dos limites. Se as pessoas não estão se expondo demais, e desnecessariamente; se não há um exagero no que é compartilhado (quase tudo) - momentos especiais que poderiam ser saboreados mais intimamente, com mais reserva; minutos cotidianos que poderiam ser mais simples, mais privados. Se muitas ocasiões não estão sendo, equivocadamente, vividas para serem postadas. Eu me pergunto o que será feito dos jornais impressos, das agências tradicionais de publicidade, das antenas de rádio e TV,  já que “tudo está na internet”. Eu me pergunto onde vão parar as relações pessoais essenciais, o olho no olho, o abraço, ou o telefonema em que você ouve a voz de uma pessoa e a faz tão feliz apenas por ter se dado ao trabalho de discar seu número, de procurá-la, de ir até ela quando ela não estava imediatamente disponível, talvez online. Eu me pergunto onde vai parar a simples delícia do elogio, já que hoje basta “dar um joinha” ou “curtir" o que uma pessoa posta.

    Em suma, fico a pensar se não estamos nos deixando engolir, usando de forma exagerada, inadequada, uma ferramenta tão útil. A internet é útil, tanto uma realidade inevitável quanto uma benção, o local em que primeiro ouvimos falar de músicas, filmes e livros, onde conhecemos bons autores e temos contatos com boas ideias. Mas... continuo com meus receios, minha desconfiança, tenho minhas reservas. Bobagens? Não sei. Talvez sejam divagações de uma mente antiquada.

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