quarta-feira, 3 de junho de 2015

Amor por escrito

                                                             


 “Eu não sei como te dizer o que quero te dizer, por isso estou escrevendo. Nunca vou encontrar a coragem para te entregar essa carta, de qualquer forma. Quando eu te olho, não consigo tirar meus olhos de você. Eu quero tanto ter seus braços me envolvendo, sentir seu corpo contra o meu. Sei que você não sente o mesmo que eu, e é por isso que não tenho coragem de assinar isto. Mas eu amo você mais do que as palavras podem dizer.”

    Calma, gente, não é isso que vocês estão pensando. Eu garanto.

    E agora que eu mesma estou pensando, nem deveria ter aberto o texto com essa mensagem. É bem possível que agora uma dúzia de moços bonitos e inteligentes do meu conhecimento estejam caindo para trás de emoção, cada um pensando que é para ele. Sosseguem os corações aí, meus queridos, sinto dizer que essas linhas não são para vocês.

    A bem da verdade, elas nem são minhas. São a abertura de um filme bobíssimo que eu assisti, “A admiradora secreta”, filme que é realmente desses que você não acredita que desperdiçou duas horas da vida assistindo. E, mesmo assim, no entanto, de alguma forma ele me provocou. É curioso perceber retratado nele o extraordinário poder de uma simples carta: as linhas acima reproduzidas são o ponto de partida de todos os conflitos da débil trama e, ao mesmo tempo, o ponto de chegada no qual todos se resolvem.

    O legal no filme é que, se passando nos saudosos 80, nos quais computador era realidade distante, a carta é escrita à mão - numa letra até muito bonitinha, em papel comum, dobrado em duas retas paralelas no clássico formato "carta". Num tempo (o nosso) em que muitas pessoas só escrevem à mão uma listinha de compras - ou, às vezes, nem isso, já que agora é tudo no celular -, eu me pergunto quem, além de mim, escreveria algo nesses moldes dessa manuscrita forma, e se ainda resta espaço e tempo no cotidiano e no coração das pessoas para o mágico casal da caneta e do papel.

    Eu funciono assim: tudo escrevo à mão, no papel, com caneta ou lápis, calma e cursivamente, e depois, apenas o que preciso, como um trabalho a ser entregue, ou os textos do blog, digito ao computador - com "quem" vivo um verdadeiro caso de amor e ódio. Amor porque eu realmente preciso dele, não posso mais viver sem ele. Ódio porque, quando (muito frequentemente) eu passo dias seguidos sem olhar para a tela dele, ele fica magoado, se sente deixado de lado, e depois fica se fazendo de difícil, fazendo hora com a minha cara, dando tiltis dos mais espetaculares, insistindo em não abrir nada do que eu carinhosamente peço que ele abra, me deixando ‘p’ da vida. Sabem como é, né?

    Mas não é só por causa dessa minha difícil e complicada relação com o computador que eu prefiro o papel, nem só porque escrever com frequência à mão, em postura certinha e tranquilo estado mental, deixa a respiração mais corretamente rítmica, a memória mais desenvolvida, apura seu domínio da língua que utiliza e aguça e acelera sua capacidade de leitura. É, além de tudo isso, simples e principalmente, porque me é mais prazeroso.

    Escrever à mão faz bem. Pode ser mais lento (ou não, né, cada caso é um caso; no meu por exemplo, a minha lerdeza digital é tanta que escrever à mão acaba sendo mais rápido que digitar) mas é mais gostoso, e mais saudável.

    Quando você escreve à mão, normalmente é mais lento porque está mais consciente do que está fazendo. Seus sentidos estão em ação, a caneta ou o lápis em sua mão, o papel está sendo modificado, marcado por uma ação sua. Você presta atenção para ver se sua letra está legível, se está seguindo a linha ou não, se está escrevendo o que está pensando, e como está pensando. Você também é mais lento porque (já que não pode ‘editar’ tudo no papel, rearranjar frases de lá para cá, remanejar a ordem das palavras, consertar a ortografia sem borrocar, deletar um páragrafo inteiro e começar de novo) você sem querer organiza tudo anteriormente na cabeça para o escrito sair mais “de acordo”, sem carecer da edição completa.

    Além de todo esse lado espiritual - escrever à mão é quase entrar em um estado de meditação -, da integração que ocorre de você com o que está fazendo, com o seu escrito, de você com os próprios pensamentos, com você mesmo, ainda há o lado físico. A caneta encaixadinha entre seus dedos, e a sua percepção dela, a textura do papel, a rotação do seu pulso enquanto escreve, o ângulo que sua caneta descreve com o papel, o movimento que sua mão faz, percorrendo a página enquanto os escritos a preenchem, num vai e vem, o próprio som que a pontinha da caneta faz, ou o lápis, riscando o papel... Escrever à mão chega a ser um ato sensual.

    E fora que é mais íntimo em todos os sentidos. É mais privado, mais seu. Enquanto no computador, você não sabe se está seguro, pois está em rede, e qualquer um pode entrar e roubar seus dados, ler seus escritos, ou um vírus vir e apagá-los e você perdê-los para sempre; no papel, isso simplesmente não é possível. É mais fácil guardar o que quer manter de seu, porque quem quiser ler o seu escrito - escrito à mão - terá que entrar na sua casa, arrombar a sua escrivaninha, furtar os seus papéis. E o risco desse crime - ao contrário de um virtual, cibernético, nem sei como se diz - você certamente quase não corre.

    É mais íntimo também porque mais único, particular, algo que se outra pessoa for fazer, jamais fará como você. No computador, ou tablet, smartphone, as variâncias tecnológicas que você usa, qualquer um que tenha um produtor de textos igual ao seu, use uma fonte igual à sua, terá um texto igual ao seu. Tudo é padronizado. O espaçamento é definido, impecável; a “letra” sairá certinha, sem seus borrocados particulares, seus deslizes... A perfeição da máquina não tem graça nenhuma.

    Ao passo que, escrevendo à mão, você realiza algo único. Você vê a folha floriando-se com sua letra - que é sua, só sua, de mais ninguém -, que às vezes é um escrito marcante, deixando sequelas visíveis nas próximas coitadas páginas, às vezes mais delicado, pode ser mais redondinho ou mais quadradinho, inclinado para a direita, esquerda, ou altivo e altaneiro mantendo sua postura firmezinha...

    Desde a escolha da caneta - mais gordinha, mais magrinha, de ponta grossa ou fina, ponta mais ou menos - até o jeito como você escreve, o seu escrito à mão não pode ser copiado, é único, tem a sua identidade.

    Pensando em tudo isso, é razoável perguntar, em contrário, por que as pessoas cometem o pecado de preferir os meios eletrônicos ao tão mágico par da caneta e do papel, ao ato simplesmente delicioso de bordar uma página com seus escritos, seus pensamentos, através da  sua letra... Gente, é tão mais gostoso, tão mais humano escrever à mão!

    E, ah, meninos, peloamordeDeus, ou pelo meu, escrevam uma declaração de amor. Não custa nada, não é tão difícil. É só uma carta, pode ser breve como a mensagem acima, não precisa ser longa. Desenhe um coração todo torto, mas que seja seu. Deixe pingar na página toda a sua emoção, tudo o que tem dentro de si. Escreva com carinho, dê voltinhas nas letras, perfume a página, sei lá, seja criativo. E, ao mesmo tempo, tradicional. O romantismo não morreu, ainda, meus caros, bem como não fecharam-se as fábricas de canetas, lápis e papéis.
   
   

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