quarta-feira, 17 de junho de 2015

Sexting - outro problema do século XXI


       Esse é um tema que eu gostaria de poder não escrever sobre. Um tema em que gostaria de poder não tocar, por ele não fazer parte da nossa realidade, muito menos nas dimensões que adquiriu, como o pesadelo que se tornou. No entanto, já que é a realidade e é esta, e conforme isso se torna normal e constante, e conforme notícias saem de jovens recorrendo ao suicídio depois de vazamento de fotos e vídeos íntimos, de escolas que caotizam-se por esses acontecimentos, escândalos que se formam, famílias que se quebram, vidas que se perdem, eu sinto que não posso fugir dele.

    Para quem não sabe, sexting (texting sex) é o termo que sintetiza o muito moderno ato de envio ou compartilhamento de conteúdos (que deveriam ser) íntimos ou privados, através do celular e da internet, em fotos, vídeos, e, em menos grave domínio, mensagens de texto.

    Algumas pessoas consideram que não há nenhum problema nisso, nesse comportamento, que é hoje, entre muitos jovens, praticamente um ritual parte do processo de crescer. Nesse ponto de vista, sexting é enxergado somente como uma nova forma, propiciada pelas maravilhosas tecnologias de informação, com a qual as pessoas estão vivendo sua sexualidade e seus relacionamentos.

    Eu tenho sérias reservas em relação a esse pensamento e ao próprio sexting, mas, para o bem do debate, vou esclarecer os dois lados na questão.

    Além daqueles que, como dito acima, aceitam o sexting como algo muito normal, há também quem diga que as tragédias decorridas de situações de sexting nada têm a ver com o ato em si mas com como as pessoas lidam com isso e como a lei atinge os criminosos e resguarda as vítimas envolvidas. O argumento aqui é basicamente o seguinte: em privado, as pessoas têm o absoluto direito de fazerem o que bem quiserem, e não devem deixar de fazer o que quiserem (neste caso, utilizar da foto e da gravação de vídeo, manter os resultados estocados em seus aparelhos eletrônicos e naqueles das pessoas - somente as muito próximas, cuidadosamente selecionadas, absolutamente confiáveis, para não dizer o contrário - a quem foram enviados) por medo de abuso de outras pessoas - no caso, distantemente possível, de esse conteúdo sair das únicas mãos e dos únicos olhos que deveriam ter acesso a eles.

    Para essas pessoas, ninguém deve alterar o seu comportamento particular por medo dessas talvez acontecenças, da mesma forma que ninguém deve deixar de acessar sua conta no banco pelo celular ou checar o diagnóstico do médico ou as notas da escola que chegam pela internet, e o que deve ser feito para minimizar problemas é proteger de todo jeito e à toda custa o direito de todos à privacidade, inclusive no espaço virtual, e garantir que aqueles que perpetuem todo tipo de abuso ou distribuição sem o consentimento das pessoas envolvidas sejam devidamente punidos.

    Quanto a tudo isso, eu acredito que quem pensa assim está desconsiderando alguns fatores importantíssimos na problemática, como por exemplo o risco que se corre ao deixar no poder de um parceiro fotos e vídeos dessa íntima espécie. Além do perigo que sempre existe do indivíduo em questão não ter o melhor dos discernimentos e na maior inocência do mundo mandar tudo ao melhor amigo, que jura segredo, e manda ao outro melhor amigo, que manda ao outro e ao outro, existe outro ponto: relacionamentos terminam, o pacto talvez existido de mútuo cuidado e protetor silêncio se desfaz e dá lugar, muitas vezes, a uma ânsia por magoar e machucar muito grande - em cujo intento esse tipo de conteúdo, se distribuído, carrega um intenso poder, se tornando assim ferramenta excelente de vingança.

    Desconsidera-se ainda, no pensamento favorável, que ingenuidade enorme é acreditar que a internet é segura e privada, e que a lei - que é muito falha inclusive no espaço real -, se ela existe, será devidamente cumprida no espaço virtual e será suficiente para preservar a vítima, prevenir ou reparar todo o dano e a devastação que a exposição dessa natureza pode causar. (A devastação que, em todos os sentidos, é muito diferente e muito mais intensa que os incômodos e das dores da cabeça que alguma invasão em conta de banco ou outro tipo de dado pessoal pode desencadear.)

    Eu, de minha parte, no entanto, creio que tudo isso é secundário. A discussão maior do problema transcende esse trâmite pós-sexting, o lado mais prático e imediatamente perceptível da questão. Ela deve bailar sobre o sexting em si e a mentalidade que o legitima, a forma de pensar que leva a este comportamento.

    Pois, para quem acha que ele é parte de uma conduta normal, coisa típica do nosso tempo, um advento inevitável da era da informação, eu respondo que devemos ter um pouco de senso, e pensar que nem tudo o que está disponível e sendo usado e praticado em toda parte é de fato razoável e normal e prudente. Eu respondo que o cerne da questão, o coração desse absurdo, o que devemos mesmo questionar e criticar aqui é uma cultura de superexposição em que somos a toda hora encorajados a dividir com o mundo coisas que deveríamos guardar. Uma cultura do aparecer, do compartilhamento exagerado, de uma pane geral no desconfiômetro das pessoas que estão perdendo a noção entre o que pode ser público e o que deveria ser privado, dissolvendo perigosamente as fronteiras entre elas.

    Nós estamos vivendo em um universo tão doido que muita gente parece estar se colocando - voluntariamente - em uma situação de abdicação da própria privacidade, ela que era um luxo inigualável que os nossos antepassados valorizavam como a um tesouro, de cujos poucos momentos eles desfrutavam como quem prova uma especiaria, coisa rara, com muito júbilo, e com muito prazer.

    Em resumo, o que eu queria dizer hoje era isto: se você sente que precisa e quer muito registrar os seus momentos de nudez ou sexo, faça-o na memória. Ou, no máximo, tire as fotos, mas, pelo seu próprio bem, revele-as. Não seja ingênuo a ponto de sentir-se salvo na nuvem digital e seja cauteloso para de forma alguma deixar isso cair na rede mundial de computadores, a terra onde tudo se vê, tudo se compartilha. Poupe-se disso. E quanto a mandar para alguém especial, considere: a excitação do momento passa rapidinho, enquanto o dano e a dor que provocam a invasão, a publicidade e o escárnio é muito difícil e demoradamente superada. Se superada, afinal.

3 comentários:

  1. Concordo em quase tudo. É interessante notar como as ações impulsivas, do calor do momento, acabam gerando uma série de transtornos praticamente irreparáveis. Não sei se é tolice ou ingenuidade acreditar que um parceiro - que geralmente é a porta de saída desses conteúdos privados - vai manter a mesma lealdade pra vida toda. Vários dos problemas da era virtual estão justamente na falta de noção da dimensão do que é a internet e no imediatismo característico da nossa geração.

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  2. Que excelente ver-lhe trafegando pelas estradas da contemporaneidade! Sexting é elemento intrínseco ao hodierno. Todavia, discordo das considerações valorativas concebidas pela ilustremente divosa autora. Pontuaria algumas questões:

    1) Registrar, em quaisquer meios, alguma atividade prazerosa-afetiva é arbítrio individual, creio serem paternalistas comentários desabonadores acerca disso. Ademais, interpreto a profusão tecnológica, nesse particular, como um instrumento potencialmente viabilizador de elementos memorialísticos importantes aos casais.

    2) Penso que o foco nas questões concernentes ao sexting não deve ser o ato de registro em si, sim os desdobramentos. Não considero crível confabular sobre a permissão dos participantes para a gravação do ato, mas acerca do uso posterior do conteúdo amealhado. Fora citado no texto o vingancismo perpetrado, constantemente, por rejeitados. O vingancismo é a questão. O problema é ético. Uma dose de Kant e/ou Spinoza aclara o nublado debate. Não há que se falar em lealdade eterna, mas o término de um relacionamento não implica, ou não deveria implicar, falta de respeito: quando esqueço que o outro é dotado de sensibilidade e pode se machucar por uma ação minha abrirei espaço para nudez ética. Enfim: a culpa não é do consentimento, mas da atuação ética que será desempenhada pelo detentor do produto do consentimento. E lealdade é palavra muito nobre, respeito já abarca a prevenção do problema.

    3) Também percebo certo equívoco no tocante à publicização de questões íntimas. Quem consente na gravação não está anuindo à superexposição, o tornar-acessível advém duma arbitrariedade unilateral, que é, em geral, o vingancismo.

    Por derradeiro: excepcional blog, aprendeu, velozmente, a andar na bicicleta do cibermundo, hein,?! rsrs.

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  3. Muito honrada por suas palavras! Obrigada, Marcus!

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