quarta-feira, 24 de junho de 2015

A arte de conversar

                                                                             

                                                     
               Conversar: 1. falar com alguém. 2. discutir, falar sobre
               Conversa: s.f.: troca de palavras entre duas pessoas, diálogo
               Com, con ou co: conjunto, companhia
              Versar: versejar, pôr em versos uma história em prosa, versificar. Fazer versos, poetizar.

            Conversar. Parece tão simples que nós desmerecemos e ignoramos a arte em torno do ato. Afinal, não basta estar próximo a alguém, que às vezes nem é um conhecido, e começar com ele um intercâmbio de palavras que já se está conversando? Não necessariamente.
         Conversar. Con-versar. Versar com. Analisando poeticamente a palavra, percebemos que ela tem dois núcleos principais que já nos dizem seu significado. Con é o prefixo que indica, como apontei acima, companhia. É o mesmo presente em consenso, compartilhar, coexistência, conjunto. Embora na palavra conversar ele não funcione oficialmente dessa forma, eu não acho que ele está aí à toa; ele nos mostra que a conversa é uma atividade que não se pode fazer sozinhamente, é um empreendimento que precisa de, no mínimo, duas pessoas para ser realizado. É uma troca, um intercâmbio. Diálogo.
       Das duas etapas da construção artística, talvez esta seja a mais bonita. Pois, ela nos força a ver e, principalmente, ouvir o outro; a entrar em contato com ele no mais profundo sentido que “contato” tem, ligando-se a ele em seu interior, em suas ideias, sua alma, no que sente em relação ao tema conversado, em como se sente em relação a conversa em si, e a nós, como está reagindo frente a tudo isso. Conversar é a bela atividade de ler o outro, através também de sua falante linguagem que não é dita, e escrever com ele uma pequena história - ou uma cena - de nossas vidas, o diálogo que ali se faz. Envolve olhos nos olhos, o eventual toque, o sorriso e o aceno, coração. Conversar é um exercício de humanidade, pois pede empatia, a capacidade de colocar-se no lugar do outro e tentar entender o que ele está pensando e querendo dizer; pede paciência, tolerância e tranquilidade. Pede abertura para vários pontos de vista, ao conversarmos com diversos tipos de pessoa. Pede compreensão e bom senso, a sábia habilidade de perceber a hora de falar, de calar, de abrir e fechar parênteses, destacar exclamações, abrir travessões, deixar reticências...
        Versar sozinho, portanto, é muito diferente de conversar, que não é nem pode ser uma atividade de monólogo direcionado, explicação de uma teoria, falado poema de via única. Uma conversa é uma partilha, um ato de conhecimento, reconhecimento, autoconhecimento. Um ato conjunto. Um poema de mão dupla, uma escultura feita a dois, ou mais. Construída a partir da interação dos artistas.
        Versar, por sua vez, nos diz que quaisquer palavras trocadas não são obrigatoriamente elementos de uma conversa. É preciso versar, tanto no sentido da forma quanto do conteúdo. Do mesmo jeito que se tece uma história, um texto, uma música, é preciso tecer uma conversa. Com cuidado, com carinho, escolhendo as palavras, juntando-as como retalhinhos essenciais da colcha que é o diálogo. Fazendo algum sentido, tendo um fio condutor que amarre a prosa direitinho e a leve a algum lugar, fazendo com que os participantes tirem algum proveito da conversa. Pois, a conversa é uma troca não só de palavras, mas de palavras em verso. E nem só de versos, palavras versejadas é uma troca, mas de ideias. Ideias traduzidas em palavras, palavras que devem realmente dizer alguma coisa. Versar sobre um assunto, ter um sentido.
        Assim, tanto mais bela e inspiradora é a conversa quanto mais bem cabidos são seus termos, mais adequados eles são ao tema abordado, à situação contextual da conversa, à pessoa com quem se conversa. (E é por isso que vem antes o con, depois o versar; já que primeiro se faz um exercício de leitura e compreensão, depois de construção. Primeiro se compreende o “com quem” e seu entorno, depois se edifica e devagarzinhamente costura e borda o “o quê”.) E tanto mais rica e enriquecedora é a conversa quanto mais esforço e entrega são postos ali, quanto mais alma existe, e mais genuína e profunda doação e troca acontecem entre os entes conversantes.
          Con-versar, meus amigos, é uma obra conjunta, uma arte que deve ser feita a duas mãos. É das mais antigas a arte, e também das mais belas. Das mais sutis e mais grandiosas, enquanto mais cotidianas e mais melindrosas, a arte de trocar ideias através de palavras. A arte de poetizar em prosa, de prosear em grupo. De interiormente enriquecer e ao mesmo tempo externalizar sua riqueza, de expressar o que tem dentro de si e conhecer o expresso do outro.
        Que não negligenciemos a magia e o valor que pode haver numa conversa, e não nos deixemos esquecer de apurar e enxergar a arte que existe no fazê-la. A arte de conversar.

3 comentários:

  1. Eu estava esperando por esse!
    Realmente há algo de artístico na conversa, e esse quê de arte, para mim, está na cooperação exigida para que uma simples troca de palavras se torne um diálogo, versos unidos, entrelaçados... Conversantes.
    É engraçado como essa atividade é banalizada. Mas muitos de nós não sabemos conversar, e o pior, não percebemos... Não sei se o problema está na cegueira que adquirimos com o tempo em relação às artes cotidianas ou apenas na falta de empatia.
    Sem mais delongas, adorei o texto.
    P.S.: É sempre bom conversar contigo (:

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  2. Eu estava esperando por esse!
    Realmente há algo de artístico na conversa, e esse quê de arte, para mim, está na cooperação exigida para que uma simples troca de palavras se torne um diálogo, versos unidos, entrelaçados... Conversantes.
    É engraçado como essa atividade é banalizada. Mas muitos de nós não sabemos conversar, e o pior, não percebemos... Não sei se o problema está na cegueira que adquirimos com o tempo em relação às artes cotidianas ou apenas na falta de empatia.
    Sem mais delongas, adorei o texto.
    P.S.: É sempre bom conversar contigo (:

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