quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Vagões femininos - um problema do século XXI

   Muito recentemente, li que estava sendo debatida, na Inglaterra, a implantação de vagões femininos em trens e metrôs dada a significativa alta em crimes de assédio sexual - principalmente nesses meios de transporte - verificada por lá. Muito me abismou que um país de primeiro mundo como a Inglaterra tenha chegado ao ponto de sequer cogitar essa absurda opção, e a mera circunstância disso estar acontecendo aponta que o problema é muito mais grave e geral do que imaginamos.

    Quando entrevistada sobre o assunto, a feminista Laura Bates, criadora do projeto ‘Everyday sexism’, declarou “Para mim, [implantar os vagões femininos] seria um grande passo para trás. Quero dizer, colocar mulheres num vagão só delas essencialmente manda a mensagem muito clara que assédio e ofensas sexuais de homens para mulheres são inevitáveis, então nós bem podemos fechá-las a parte. Pra mim, é a mensagem errada. A mensagem deveria ser ‘a vasta maioria dos homens jamais sonharia em cometer essas ofensas, nós temos que pegar os ofensores,  aqueles que estão cometendo-as’. E é claro, a situação pode passar muito perto da culpabilização das vítimas. Se nós temos vagões femininos, e uma mulher não viaja neles e é sexualmente assediada, as pessoas então vão pôr a culpa nela por isso ter-lhe acontecido? Estamos indo na direção errada."

    Ah, enfim alguém com a cabeça em cima do pescoço e os olhos na realidade! Como eu fiquei grata de ouvi-la dizer isso, em meio a tanta gente aprovando a medida que, realmente, é um andar para trás. Segregar homens e mulheres para prevenir um assédio que é somente questão de educação? Sinceramente! Em que século estamos mesmo? XXI, ah é!

    No Brasil, os vagões femininos infelizmente já existem. Em São Paulo, a medida foi aprovada em julho de 2014. No distrito federal, vagões rosa rodam desde 2013, e no Rio, desde 2006. Algumas mulheres dizem se sentir mais seguras com a ‘proteção’, principalmente se estão viajando sozinhas tarde da noite, ou nos desagradáveis horários de pico. Algumas argumentam que se sentem mais seguras sabendo que há só mulheres em volta. Dizem que, já que acontece mesmo (a violência, o constrangimento, as fotos sutilmente intrusivas, o “passar a mão”, as tão variadas formas de assédio) nós podemos tentar nos manter em lugares menos propícios a isso.

    Gente, a questão não é de proteger-se contra uma acontecença certa! Isso é vergonhoso. Nós não precisamos nem de vagões segregadores nem de alfinetes contra os encoxadores! O que nós realmente precisamos é de uma reeducação urgente, de toda a população, quanto as questões de sexo, de gênero, de comportamento. Urge um programa de educação sexual nas escolas! Urge que os pais estejam presentes para os filhos, lhes ensinem o certo e o errado, conversem com eles  abertamente e, principalmente, lhes deem o exemplo!

    Nós precisamos que meninas de 14 ou 15 anos não achem normal um cara sentar ao seu lado no ônibus e começar a apalpar suas pernas, ou a mexer com elas de qualquer forma, em sussurradas provocações desagradáveis. Que elas não encarem esse tipo de violência como só mais um abuso com que elas tem que lidar diariamente. Que não achem normal nenhum tipo de constrangimento, coerção, intimidade forçada, de ninguém, nem de estranhos no transporte, nem de seus namorados. Precisamos que os meninos e jovens e adultos inocentes dessas ofensas percebam que elas acontecem e sejam patrulheiros do próprio sexo. Que aqueles que as cometem saibam que isso é intolerável e não deve ser praticado. Que todos passem a jamais imaginar realizar um ato nessa linha de comportamento - pela simples razão de ele ser impraticável, absolutamente inadmissível. Precisamos que mulheres e homens aprendam a se respeitar, e respeitar aqueles ao seu redor, como iguais, como pessoas cuja integridade moral e física deve ser respeitada, vendo-lhes como uma moça que poderia ser sua irmã ou um rapaz que pode vir a ser seu marido.

    Precisamos que as pessoas aprendam a se conter, a visualizar o espaço do outro, e não praticar aquilo que pode vir a incomodá-lo. Que não vejam corpos como aparatos para conseguir seu prazer, sua satisfação, e sim como parte de uma pessoa, um indivíduo, que merece ser amado e respeitado inteiramente. Que meninos e meninas deixem de encarar a virgindade como um estado vergonhoso, que deve ser perdido a qualquer custo, e a ‘inexperiência’ - por timidez ou reserva, por querer preservar-se, por simples acanhamento, por qualquer motivo - como um comportamento careta, digno de riso e deboche e que, se possível, deve ser ‘consertado’ por influência, revertendo-se à irreverência que, neste caso que abordamos, é insolência, descortesia e afronta, um ultraje. Que cada um viva sua sexualidade conforme se sente à vontade, sem pressões, e sem molestar o limite do outro, que seja um desconhecido ou um parceiro. (E que não tenhamos mais que tolerar campanhas como aquela “não mereço mulher rodada” que redutoramente julga o caráter da mulher pelo status de sua atividade sexual, e rotula liberalidades - femininas - como amorais e repulsivas, peso que não recai sobre o mesmo ‘estilo de vida’, se masculino.)

    Não estou dizendo que medidas não devem ser tomadas contra os assédios, tampouco estou sugerindo que todos tomem votos de castidade. Não é isso. O que faz-se essencial é uma reeducação sexual que abranja as condutas básicas. Uma conscientização, um abordar o mal pelo seu começo, que faça com que medidas como essa dos vagões femininos - por sua natureza, ridículos - não sejam necessários. Uma revolução no pensamento e no modo de agir que faça com que a violência não seja o normal esperado, seja a exceção abominada, e devidamente punida. Que faça com que os registros desse tipo de ofensa baixem a um mínimo, e não surpreendam desagradavelmente os hóspedes ou visitantes que recebemos, como na copa. Que faça com que nós, brasileiras, e brasileiros, também, por que não, nos sintamos seguros para ir de um lugar a outro, sem nos sentirmos ameaçados, podendo até nos permitir o flerte que pode rolar nas situações em que se passa horas, todos os dias, mais ou menos nos mesmos horários, confinado num mesmo transporte com as mesmas pessoas. Flerte, conversa ou conhecimento - que chega a desembocar em boas amizades ou em casamentos. E tudo com respeito, cada um e todos os envolvidos se sentindo à vontade, livres para dizer e fazer somente e apenas o que têm vontade, e perfeitamente seguros. Afinal, como diz o velho ditado “o seu direito termina onde começa o do outro”. Percebam as flores como vivem espaçadas umas das outras. Pois é, o dito popular sintetiza e a natureza ilustra, a natureza dá o exemplo. Toda flor precisa de seu espaço para desabrochar. Espaço, não confinamento.

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