quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A força de um sorriso

                                                              

    Há mais ou menos um mês, estive em Brasília, nosso ilustre distrito federal, e lá se sucederam alguns episódios que me deram muito no que pensar. Duas pessoas eu encontrei que me fizeram parar para refletir na importância de um gesto que muito negligenciamos: o sorriso, tradutor melhor da alegria em um rosto, feixe de dentes e bochechas e energia que pode iluminar todo um dia. Vou contar brevemente as duas histórias em separado.

    A primeira aconteceu numa sala de aula. Eram três os dias de prova desse exame no qual tomei parte, todos durando cinco horas, muito divertidas. Nos dois primeiros dias, os fiscais foram dois ‘generais’. Dois diferentes homens que chegaram, seu dever fizeram, e por cinco horas permaneceram calados, contidos, de cara fechada. Nada fizeram de errado, não nos deram motivo para queixa, cumpriram seu papel e seguiram todo o protocolo - friamente, e isso me incomodou.

    No terceiro dia, Deus teve piedade de nós, e mandou uma luz, um homem-luz. Na mesma hora que ele entrou na sala, eu pensei comigo “ai, que colírio!”. Devia ter por volta de uns trinta anos, era negro, alto, forte mas não tão forte que passasse da medida, de rosto bonito e sorriso lindo. E, não bastasse tudo isso, ele conquistou - a todos - com sua simpatia. Foi o único dos três que nos deu um “boa tarde” ao chegar, e um “boa tarde” sincero. Tão logo começou a organizar as coisas na mesa e se ambientar na sala, parou, e interagiu conosco de um modo muito simples. “Ah, gente, eu sei que sou carioca, mas até pra mim, aqui tá quente pra caramba!”. E perguntou, gentilmente, se podia ligar o ventilador ou se ele atrapalharia quem estava ali na frente pelo barulho.

    No calor intenso do centrão do Brasil em meados de janeiro, é evidente que as duas outras almas que nos aplicaram a prova ligaram o ventilador também. Mas o fizeram em ato mecânico, de um jeito automático, e totalmente indiferente a nós, perdendo assim a pequena enquanto excelente oportunidade de trocar conosco algumas palavras, ou um sorriso. Para o colírio que logo à minha frente estava, eu sentada por arte do acaso na carteira imediata à mesa do professor, perguntei “Carioca de onde?” ao que ele orgulhosamente respondeu. “De Madureira”, e  perguntou “Por que, bela, você é carioca também?”

    O tal galante terceiro instrutor fez tudo o que os outros fizeram, apenas com o muito simples tempero da alegria e da gentileza. Ele distribuiu embalagens para celulares, passou verificando assinaturas e polegares carimbados, entregando os cadernos de prova, mas ele se dirigia a nós enquanto fazendo isso, nos enxergava. Isso faz uma diferença muito grande, significa muito embora possa parecer tão pouco; ninguém gosta de ser invisível, de se sentir objetificado. Ele interagia, sorrindo, falando coisas pequeninas como “Tudo certo aí, princesa, ansiosa para começar ou para terminar?” ou “passa a tinta outra vez, colega, teu carimbo não saiu não”. Por mais que isso possa parecer trivial - e essa linguagem seja realmente o carioquês típico, e portanto vinda de um carioca, não devesse impressionar -, tudo isso nos impressionou, e muito, dado o tratamento duro enquanto frio, indiferente quase robótico, que recebemos dos fiscais anteriores. O mero fato deste estar conversando com a gente, e com essa gentil e cordial amabilidade, nos pareceu um luxo indizível, comparado ao modo com os outros se portaram, extremamente sérios, e mal nos notando.   

    No decorrer da prova, é claro, não havia espaço para dois dedos de prosaica conversa ou para brincadeira. Mas, enquanto no silêncio, riscado pelo ventilador, as canetas freneticamente rabiscavam e discorriam, eu senti algo de melhor na atmosfera da sala, algo de mais leve. Meus músculos de ombro e pescoço estavam menos tensos, ainda que aquele dia de prova estivesse sendo o mais difícil pra mim. E, na hora da saída, a coroação: ao invés do apenas civilizado aceno de cabeça dos outros fiscais em resposta ao nosso “tchau”, ele dizia um amistoso “tchau” em retorno, a cada um de nós, e completava com um cúmplice “boa sorte”.

    A segunda história é sobre outra pessoa que, de um jeito diferente, também me cativou instantaneamente. (Alô, Lilian!) É uma amiga da minha familiar residente em Brasília, com quem passei esses tão bons dias (Alô, tia Elza!), que por ela tinha sabido de mim e de nossas paixões comuns (inglês britânico, História, Jane Austen, Londres, e afins) e assim queria me conhecer.

    Ela chegou e simplesmente preencheu a sala com seu sorriso. Cumprimentou-me com uma familiaridade tão amiga e tão simpática, contou-nos umas histórias de sua recentes aventuras na Europa, resumidamente descreveu os lugares por onde passou, deu para mim uma lembrancinha de Londres  - delicadeza que nem precisava ter feito, que outra pessoa com certeza não faria, afinal ela nem me conhecia! - e foi embora, me deixando absolutamente encantada, pensando “Que pessoa mais alegre, que alto astral contagiante! Como precisamos de pessoas assim no mundo!”

    Eu contei tudo isso só para ilustrar quanta diferença não faz um sorriso. E como é incrível o poder de uma disposição alegre em transmitir boas energias, e não só contagiar, mas conquistar; tornar um dia bom melhor ainda e melhorar um que parecia prometer-se ruim. Como é mais abordável uma pessoa sorridente que uma de cenho franzido e expressão fechada, como é mais gostoso receber um cumprimento com alegria que um com frieza, por educação. Como parece até mais saudável viver com um sorriso!
    Não estou dizendo que todos devemos estar felizes e saltitantes o tempo todo, até porque isso não é possível. Todos temos aqueles dias em que chorar é simplesmente muito mais confortável que sorrir, aqueles dias em que é mesmo difícil tentar transmitir uma alegria e uma serenidade que não sentimos. Mas, na maioria dos dias, eu acredito, nós somos, sim, capazes de escolher entre dar um “bom dia!” com energia ou um “bom dia” no modo automático. Podemos escolher - entre tantos problemas, que aliás muitas vezes exageramos e superestimamos, e tantas intempéries que irremediavelmente povoam a vida de todos nós - manter no rosto um alegre sorriso.

    Parece extremamente simples, o generoso ato de sorrir, e no entanto, não é tão comum que sua presença chegue a ser um agradável normal. É um simples que se torna especial principalmente se considerarmos a frieza, a civilizada indiferença, a distinta má vontade de muitas pessoas umas com as outras, que por vezes não preocupam-se nem em serem minimamente corteses... Eu fico olhando algumas cenas, observando algumas pessoas e pensando... Gente, nós somos todos irmãos, do pó viemos e ao pó igualmente voltaremos, não temos motivo para sermos hostis uns com os outros se podemos ser gentis...

    Por isso, aqui deixo um singelo apelo pelo sorriso, pelo bom humor, pela alegria e pela gentileza. Não só por seus poderes inebriantes, de dardejar corações por aí, como por sua pureza e sua vivacidade, seu poder de propagar-se, irradiar-se. Que não subestimemos a força que tem um sorriso, e não deixemos, sempre que possível, de exercê-la, praticá-la, continuá-la.

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