quarta-feira, 16 de março de 2016

O debate e o diálogo

                                                                    

   Era uma vez o debate e o diálogo. Eram uma dupla dinâmica, um par de irmãos com nomes até muito combinadamente sonoros, quase indicativos de suas personalidades. Como o jacaré e o crocodilo, a tartaruga e o jabuti, muita gente confundia um com o outro e às vezes chegava a pensar que eram uma coisa só. Ledo engano.

    O debate e o diálogo não podiam ser mais diferentes. O debate era fortão e musculoso, de silhueta atlética bem balofa, e adorava se exercitar para ser cada vez mais isso. Tinha uma veia de ator, era um pouco exibido, adorava estar na luz, sob os holofotes. O diálogo, pelo contrário, tinha um corpo suave e saudável, não gostava de artifícios de falsidade, nem de exibicionismo, portanto não tinha nem queria ter o corpo fabricado dos galanzões de revista. Ele preferia o bastidor ao palco, existia melhor ali, e não fazia questão alguma de ser o centro das atenções.

    O debate tinha mania de grandeza. Todas as suas palavras eram estrondosas, eloquentes, e ele as entregava calculada e cuidadosamente - com a voz e os gestos sob medida, as teatrais pausas e ênfases - de modo a causar com elas o maior possível efeito. O diálogo, opostamente, gostava das coisas simples. Jamais levantava a voz, rara vez exaltava-se, passava sua mensagem com a tranquilidade de quem sabe se fazer claro sem precisar de muitos brilhos.
   
    O debate era esquentadinho e irrequieto. Só a pronúncia de seu nome já tinha o poder de fazer ferver o sangue das pessoas e tornar febril sua pele. Debate! - quase parece um tapa. Ele não tinha o belo talento de ouvir e, extremamente combativo, tinha a não muito sadia obsessão de vencer. Não escutava o seu interlocutor ouvindo-o realmente, aberto a entender seu ponto de vista, mas, ao invés disso, ouvia-o já pensando na resposta que daria nele logo que terminasse de falar. Estava sempre mais intento em fazer prevalecer seu argumento, mesmo que pela força, do que em crescer com o argumento do outro, fazendo sentido dele, contribuindo para a discussão geral. O diálogo por sua vez - ouça, Diálogo, nome tão mais sereno -, não gostava de ser, como o irmão, parte de uma luta. Ele era humilde, grande, paciente, muito equilibrado e comedido, e, acima de tudo, um excelente ouvinte. Ele sabia o que era, uma troca de sentidos, e não pretendia ser mais do que isso.

    Certa vez, o debate decidiu debater com o diálogo sobre as diferenças e semelhanças que eles tinham, que as pessoas viam neles, e qual deles era melhor que o outro. Obviamente, ele se considerava o mais destacado dos dois, o mais expressivo, o mais querido, o mais brilhante. O diálogo ouvia somente, sem quase nada dizer. Quando dizia algo, era na mais fina e inocente ironia, tão inocente que o ardiloso irmão não a percebia, e assim não sabia respondê-la. O diálogo sabia de sua quieta, tímida mas suma e fundamental importância -  como a senhora Educação, escola na qual se formou - e assim resistiu sem abalar-se às vazias comparações e investidas do irmão. O diálogo não se esbaforia, não se indignava, não se perdia, não se exaltava e ao se deparar com isso, o debate se debatia. O irmão não queria debater com ele, e ele, por sua vez, não queria, não sabia dialogar com o irmão.
   
    À medida que a situação prolongava-se, os sentimentos de um e de outro acentuavam-se. O diálogo deixava o irmão falar, sabiamente, sem nem escutá-lo, sabedor da inutilidade que seria tentar trocar razoáveis palavras com ele. O debate se acalorava e se enervava e se exaltava, incapaz de entender por que suas poderosas e certíssimas palavras não surtiam efeito algum no irmão pacato. Por fim, o debate teve uma síncope e desmaiou-se, ao que o diálogo prestou-se em ajudar e buscar ajuda a fim de reavivar o irmão. Realizada com sucesso a ressuscitação, eles pediram-se desculpas e o mais destemperado dos dois reconheceu a grandeza do mais ameno e tranquilo.

    A moral da história não nos é mistério algum: os brados tresloucados do debate de nada adiantaram, só causaram aborrecimento e mal, um atrito e um susto facilmente evitáveis. O silêncio sensato do diálogo, por outro lado, lhe ensinou mais do que qualquer sermão poderia ter feito. Podemos ver que é mais pacífico, mais prazeroso, mais respeitoso, mais construtivo o diálogo do que o debate. Preferir o primeiro ao segundo, portanto, sempre que possível, não é só uma cortesia que se presta ao outro, mas um favor que se faz a si mesmo e à harmonia de todo o entorno.


"Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro." José Saramago

2 comentários:

  1. Oi Vivi!!!! Continuo amando seus textos. Adorei vc usar mais uma foto minha. Significa estarmos próxima. Bjs

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  2. Oi, tia Zinha!!! Bom ver você por aqui! Fico feliz que não se importe de eu usar suas fotos, elas são ótimas, e essa combinava tanto com o texto... ;)
    Beijocas

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