quarta-feira, 9 de março de 2016

Corações itinerantes

    
    Quem muito viaja com certeza vez e outra se pergunta “e agora, estou indo para casa ou voltando dela? Onde é, realmente, minha casa? Será que eu tenho uma?”

    Embora a gente saiba que em todo lugar há gente de todos os jeitos, a maioria de nós ainda parece gostar mesmo de um lar seguro. Um lugarzinho fixo, enraizado na terra, onde temos nossa referência, nosso descanso, nosso sossego, nossos amores. Uma porta que se abrirá para sempre, como um abraço, ou um colo, um ninho que tenha completo endereço, com o qual podemos sempre contar.

    Quando topamos com modos diferentes de morar, não raro nos admiramos. Afinal, tal desprendimento é para poucos, e é preciso generosa dose de coragem, força, segurança e fôlego para viver em movimento. Quando encontramos com gente que reside e ama assim, migradouramente, não raro também nos perguntamos “será que eu sou capaz disso? Será que somos todos capazes disso? Será que é apenas questão de costume?"

    Será que todos os lugares podem ser portos nos quais um coração pousa, entre os quais veleja, ou existem lugares que não podem ser considerados senão como simplesmente inóspitos? Pode mesmo haver lugares inóspitos ou só existem, na verdade, corações arredios?"

     Creio que não é possível elaborar gabarito a qualquer dessas questões. Elas são relativas. No fundo, no fundo, só cada um pode saber de si e ninguém deve presumir ou pretender responder pelo outro. Depende de costume, de personalidade, do momento que o coração vive, da disposição e vivência dele.

    De minha parte, acredito que há corações mais calmeiros e corações viajantes. Embora completamente desconheça e não consiga entender a “lógica” de funcionamento dos segundos, creio na sua existência. Creio que há, sim, aquelas bombas de sangue e de vida que não admitem portos, mas aeroportos, onde não acontecem pousos, só decolagens, e a pista de aquecimento só é prelúdio a partidas, nunca a definitivas chegadas.

    Da mesma forma, não posso conceber que todos os lugares sejam igualmente, perfeitamente acolhedores. Existem aqueles encantadores e aqueles que despertam repulsa; uns aos quais o coração se aconchega com vontade e sem esforço, outros aos quais, mesmo veementemente tentando, talvez nunca o faça. Só cada um dos corações determinará qual lugar, para ele, é menos ou mais convidador.
   
    Estão sendo estas linhas pouco conclusivas, reconheço. Estão, talvez, sem norte e sem sul, perdidas de seu ponto de partida e borrocadas nas bordas de seu caminho. Assim, só não direi que elas refletem o desnorteio das mãos que as escrevem porque mãos não se perdem. Corações se perdem e vagam, mãos só se encontram e juntam.
   
    Mando aqui, portanto, uma singela saudação. Aos corações que encontram paz quando estabelecidos, que o aproveitem. Que aninhem-se nela com todo o ânimo que queiram e tenham e não permitam que nenhum tremor se transforme em terremoto. Aos corações que sofrem, angustiam e doem na incerteza, no indeterminado, na eternidade da estrada que não parece ter destino, acalmem-se. A chegada aparecerá no momento a ela propício e certo, nem um minuto antes. Aos corações que não sofrem no movimento, que em verdade o adoram, e enxergam e ouvem e tocam nele seu lugar, seu lar... Que distribuam a todos nós sua espécie de energia áurea, e possam receber a nossa quando o combustível de seu ânimo para trilha escassear e ela chegar numa estação findoura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário