quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Questão de medida

                                                            

    Antes de começar, convém que eu diga que este texto pode aborrecer algumas pessoas. Pode ser contraindicado a amantes das ciências exatas ou, para ser mais justa, para qualquer um insensível ignorante de certos básicos princípios das (não acadêmicas) ciências humanas...

    A questão é a seguinte: tem me incomodado indizivelmente essa mania que muitas gentes têm de medir sua vida toda, especialmente nos parâmetros mais exatos. Medir o quão proveitoso foi o ano pela produtividade do seu trabalho, o número sólido e fechado de suas conquistas nele, quantos degraus conseguiu-se subir. Medir quão popular se está, como andam suas relações com outras pessoas pela quantidade de amigos que se tem e fez, a variação delas ao longo do tempo - se esta quantia aumentou-se, diminuiu-se, estabilizou-se.

    Medir a eficiência de sua dieta pelo tanto de quilos que se perdeu; a validade de sua leitura pelas quantas páginas se percorreu, em razão de quanto tempo.
       
    Ah, minha gente... Se há algo no mundo com o qual eu absolutamente não me dou e não me posso dar é essa numeralização das coisas, das coisas mais humanas! Essa racionalização do irracionalizável, as emoções, os momentos, as vivências... que parecem ser visualizadas como números, etapas de um processo, partes de um mensurável todo, um objetivo, uma meta... Ao invés de serem enxergadas simples e puramente por si mesmas, sua intensidade e provocada sensação, seu passageiro e pequenino infinito, sua recordação...

    E se a gente, que talvez goste muito mesmo de arrumar jeitos de classificar as coisas, tentasse apenas medir de outros jeitos, arrumar outros parâmetros, outros critérios? E se a gente, por exemplo, fosse estimar quão proveitoso foi o ano pelo seu interior equilíbrio, ou desequilíbrio? Pelo quanto se esteve realmente bem, ou não tão bem, pela prevalência de risos ou prantos, suspiros tranquilos ou intranquilos?
   
    E se a gente fosse avaliar os amigos por seu valor e não por sua quantidade? Por quão confiáveis e companheiros, próximos e pacientes, presentes eles são, ao invés de por quantos eles são? E se, no lugar de pelo clique de um botão, fosse medir o selar de uma amizade pelo empréstimo de um livro, uma preocupação silenciosa, um gesto não pedido ou esperado de carinho?

    E se a gente fosse medir a eficiência de uma dieta pelo bem-estar que ela nos provoca? Dizer quão querida e respeitada é uma pessoa pelo tanto sorrisos sinceros que lhe sorriem, o tanto de abraços queridos e apertados que lhe abraçam, de preces que por ela rezam e pensamentos que por ela surgem?

    Reparem, o adjetivo é fundamental: não é o tanto de sorrisos, mas de sorrisos sinceros. Nem é o tanto de abraços, mas de abraços queridos e apertados. O modo como tudo acontece, mais do que sua frequência, faz toda a diferença.

    Reparem, não estou sendo radical. Não peço aqui uma lei áurea das medições e contabilidades, a abolição do raciocínio para saber o quanto cabe em algo qualquer, a tentativa de fazer balanços. Por mais incrível que isso às vezes me pareça, foi o próprio ser humano que criou a matemática, por uma necessidade sua de contar, numericamente pensar.

   Então, aqui eu peço - sugiro - somente uma reforma. Uma emancipação das réguas exatas, míopes, disformes que nos acorrentam, às quais nós voluntariamente nos acorrentamos. A feitura de um outro tipo de régua, mais livre, mais doce, mais humana. A gestação de outras maneiras de pensar, de uma avaliação conduzir. Um novo modo de... medir.

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