quarta-feira, 20 de maio de 2015

A obsessão da novidade

                                                                
    Já repararam como a todo momento nós somos encorajados a estarmos atualizados? Somos, a cada instante, bombardeados com milhares de informações ao mesmo tempo as quais sentimos um dever enorme de acompanhar, embora, talvez, nem saibamos bem o motivo pelo qual o fazemos.

    Nessa modernidade louca que vivemos, a era da informação, nós nunca estamos desconectados. Sentimos que, a qualquer hora, algo de muito extraordinário pode acontecer e mudar todas as nossas vidas, e nós estaremos danados se o perdermos, se ficarmos atrasados por alguns segundos. É um vídeo novo que sai, a próxima edição da revista, a seguinte tendência da moda, uma tragédia nova que as novas mídias noticiam com o maior entusiasmo, uma tecnologia nova que é apresentada e, imediatamente, tem que fazer parte das nossas vidas, pois aquela que segurávamos apenas agora há pouco já está ultrapassadíssima.

    Essa ânsia por novidades nos dá a sensação de que tudo é superado muito rapidamente - e deve ser mesmo porque, se não for, “algo está errado, nós pararemos no tempo”. Pois, se nós estamos evoluindo o tempo inteiro, alcançando progressos e avanços num ritmo extremamente veloz, nunca antes visto, se nós não pudermos perceber palpavelmente e ter acesso a essa evolução, essas mudanças, algo de fato não pode estar certo. Ou nós estamos completamente alienados na vida, isolados do mundo, ou - cientes do que acontece e de todas as últimas maravilhas e adventos, escolhendo não colocá-los em nossa vida - somos seres absolutamente retrógrados, demasiado rígidos e intransigentes, “cegos ao benefício e à diversão daquela novidade”, estamos ficando para trás, parados no tempo.

    Essa ânsia por novidades, também, nos leva a ter a questionável ideia de que a repetição é algo ruim, e o aprofundamento que ela traz, desnecessário. Para quê você vai ler o mesmo livro outra vez, se há tantos novos saindo para você ler, e que, ao optar por reler um já lido, vai estar fatalmente abdicando da oportunidade de lê-los, deixando o seu caminho impercorrido? Para quê procurar a revista do mês passado - aliás, da semana passada -, se ela não poderá trazer nada de bom, nenhum acréscimo, já que tudo nela é um passado inútil, está inevitavelmente datado e ultrapassado e só pode ter como destino o lixo? Para quê, realmente, meu Deus, continuar usando esse tijolo de celular da época dos dinossauros que você tem, se pode comprar um novo, que te dá acesso a um mundo de possibilidades antes impensável?

    O que ninguém parece notar é que esse estilo de vida é insustentável, não só para a natureza como para a sanidade humana. O que ninguém parece notar ou questionar são os danos que isso - essa obsessão por novidade consequente, dentre outras coisas, do grande volume de informações que nos é facilmente disponível e que somos encorajados a consumir - traz para a nossa vida, como a superficialidade das leituras e construções e a inquietude interior coletiva, só para dar alguns exemplos.

    Pois, se a informação agora é democrática, de todos para todos, acessível em crescente quantidade, o aproveitamento que fazemos dela é francamente duvidoso. Quantas vezes não ligamos o computador com um certo objetivo - uma pesquisa - e abrimos outras tantas abas com outras tantas coisas, em nada relacionadas ao objetivo, e depois de uma hora escorrida, quase nada de fato produzimos e temos para apresentar por causa dessa dispersão?

    Quantas vezes não vemos pessoas exibirem orgulhosamente uma estante enorme - ou, realmente, um quarto inteiro - cheio de livros, e dizemos “nossa, quantos livros você tem!”. Se perguntamos, no entanto, quantos ali ela realmente leu, aproveitou profundamente até o final, ouvimos uma resposta vaga, seguida de um sorriso amarelo. Devíamos exclamar, na verdade, “quanta cultura, quanta sabedoria você tem!”, coisa que não é, necessariamente, advinda de muitos livros lidos, mas, dentre outras coisas, de poucos livros muito bem lidos. Devíamos nos inspirar na lógica dos antigos, que possuíam alguns poucos, seletos exemplares mas os tinham como verdadeiros tesouros, os liam de novo e de novo e de novo, aproveitando-os ao máximo, extraindo toda a contribuição que eles podiam dar.

    Mas, não, hoje nós valoramos informação ao invés de conhecimento, quantidade ao invés de qualidade. E tudo tem que ser fresquinho, ligado ao novo - de ontem, não; de hoje. De agora.

    Com isso, a capacidade das pessoas de concentrarem-se, focando e investindo toda sua capacidade mental, intensamente, por prolongado (ou mesmo curto) espaço de tempo numa só, específica tarefa está sendo tragicamente comprometido. As constantes interrupções e distrações trazidas pelas novidades - que sejam em forma de sociais digitais contatos ou paralelas informações - tiram nosso foco no durante inteiro da tentativa.

    Da mesma forma, vai esvaindo-se a capacidade - ou o interesse - por uma leitura demorada, densa, longa, funda e profunda. Todos parecem passar grandes horas a ler (fáceis e acessíveis) pequenos textos ou pequenas bobagens, mas ninguém se dispõe a ler livros como Guerra e Paz, de Tolstoi, ou Middlemarch, de George Eliot, paçocos de livros que, vistos de fora, intimidam mas quando se pára para ler... Aí, realmente se percebe que as páginas estão cheias não só de linhas e tinta, mas de conteúdo, conteúdo valioso que pode nos ajudar a viver melhor, ver melhor, pensar melhor, se apenas nós nos permitimos encontrá-los e absorvê-los - largando, um pouquinho só, os milhares de fragmentos que, juntos, não são tão construtivos quanto.

    Nós estamos com a péssima mania de ver nossas ocupações de tempo não como investimento, mas como gasto. Assim, não investimos mais em algo substancial, profundo, sólido, que demande paciência e perseverança, precise ser pensado a logo prazo. Algo que, igualmente, no futuro, trará recompensas e frutos fortes e confiáveis, substanciais, profundos e sólidos. Além do que, como tudo é muito fácil, qualquer coisa que fique um pouco difícil já é conquista impossível e chata para nós.

    Até as relações estão sofrendo com esse mesmo processo: as pessoas hoje se casam pensando “ah, se não der certo, depois eu separo” e, mesmo antes disso, vivem seus relacionamentos assim “por que ficar com a mesma pessoa duas vezes, se o gosto do beijo é o mesmo?”.

    Desiste-se muito facilmente de alguém, de uma relação, já que qualquer obstáculo vira uma provação imensa, razão pela qual desistir desta e “partir pra outra”. Movidos sempre por uma necessidade de novas e diferentes experiências, nós o fazemos à custa da sua profundidade e segurança. Vivemos a incerteza dos começos muitas vezes - vezes demais. Ao invés de - porque realmente gostamos dela - investirmos num pessoa, persistirmos com ela, lutarmos por ela, dispostos a gradualmente vencer as dificuldades que se apresentem, entender os nossos erros e aqueles do outro, aprender a lidar com ambos e quem sabe melhorá-los, o esforço é demasiado e nós desistimos. Desistimos muito fácil, paramos no primeiro desafio, vamos buscar algo novo. Apenas para, com esse novo, vivermos tudo de novo, a superficialidade, o envolvimento raso, a curta frustrante duração, o efêmero.

    Assim, ao invés de termos um grande e forte porto seguro, nós pipocamos em várias paradas, como bolinhas de pingue-pongue, em portos inseguros, dos quais logo partimos carregados de uma sensação de vazio. Vazio, insegurança, inquietude, incerteza, como se estivéssemos andando imersos numa areia movediça que ameaça dissolver-se a qualquer momento e finalmente nos deixar mesmo sem chão.

    É a mesma, tão conhecida sensação que nos povoa o corpo e coração quando abrimos a caixa de email, ou qualquer plataforma de digital contato, e, depois de um dia inteiro (ou, realmente, algumas horas), não vemos nada de novo. “O mundo me esqueceu, ninguém liga para mim.”

    É a mesma, tão horripilantemente conhecida, sensação que nos toma também ao fim de mais um noticiário - dos quais nos entupimos seguidamente para mantermo-nos a par das últimas, as mais novas, efêmeras, que rapidamente sucedem-se e ficam ultrapassadas, nos fazendo cair num círculo vicioso, consumindo-nos das tantas coisas ruins, que parecem ser só o noticiado.

    A saída? Não, gente, não estou sugerindo que voltemos à idade média - embora, ouso dizer, então, as pessoas tinham uma mais segura noção do agora, e de si mesmos nele, e uma menos ávida necessidade de novidades do que de verdades que lhes serviam perenemente e ensinavam a viver e sossegavam a alma.

    Talvez, uma possível saída - ou, mais brandamente digamos, um escape - seria desconectarmo-nos um pouquinho, tentar viver a sabedoria do jardineiro: se você encher seu jardim de coisas, tentar trocá-las a cada dia ou querer que frutifiquem muito rápido, você será um falho, potencialmente sempre frustrado jardineiro. Mas, se você selecionar bem o que quer no seu jardim, deixá-lo decorado e preenchido com parcimônia e não excessos, cuidar dele com gosto, carinho, paciência, um pouquinho todo dia, e esperar o tempo que ele precisar, aí sim, você terá um jardim alegre, segura e coloridamente florido e forte e vivo.
                                                                   

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