quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A importância da convicção



“... nos parece que o mais importante reside na sinceridade e na força da própria convicção... e o resultado está nas mãos do destino. Só o destino pode nos mostrar se lutamos contra espectros ou contra inimigos reais [...]. Nossa tarefa é armar-nos e combater.” Ivan Turgêniev

“É o que eu digo, a gente sempre duvida se o que faz tem algum sentido. Daí decorre em grande medida a nossa fragilidade.” Rosa Montero

    Um grande perigo da vida da gente é o não acreditar. Da gente eu digo, principalmente, quem tem o triste pendor a pensar mais do que devia ou a ser exageradamente permeável às estupidezes alheias.
   
    Muitas vezes, vivemos situações em que ouvimos, de nossos peçonhentos pensamentos ou de outras peçonhentas pessoas, às ocultas ou às escâncaras, que o que fazemos não é útil. Que toda a gente pode prescindir do que fazemos, que nossa existência não é necessária, que aquilo que mais amamos e ao qual dedicamos nossas vidas é plenamente supérfluo.
   
    E o pior de tudo é que, às vezes, acreditamos. Somos balançados em nossa crença no que fazemos. Deixamos de responder às insensíveis ofensas das pessoas porque não temos argumentos bem formulados nem para convencer a nós mesmos nesse respeito, quem dirá a elas.
   
    Em nosso íntimo, temos a certeza, que mais se sente do que se explica, de que o que fazemos é importante, mas não sabemos exteriorizá-lo em racionais palavras, não sabemos fazer esquemas de explicação. Não conseguimos defender nossa causa e isso nos abala.
   
    Esta pode ser a nossa perdição. Isto pode ser a tesoura que poda um gênio ainda germinando, a lâmina que corta uma pulsante existência ainda amadurecendo. E o contrário disso, a crença firme e convicta, de uma fidelidade canina e religiosa, antes da alma que da mente, é frequentemente a chama que alimenta a vida e faz arder todo o potencial, o motor que inspira o sonho e propulsiona a obra.
   
    Acima de tudo, antes de mais nada, mais primordialmente que qualquer coisa, é preciso acreditar no que se é e no que se faz. E não admitir que alguém desacredite. Não permitir que se insinue a necessidade de justificação. Seguir, dia após dia, com paciência e com fervor, munido de paz e inflamado por ganas, sendo o que se é e fazendo o que se faz. Por, principalmente, dois motivos:

    Primeiro, porque jamais saberemos realmente se o que fazemos é mesmo importante. Se somos essenciais ou acessórios, marcantes ou absolutamente passageiros. Só a distância do tempo e da ampliada perspectiva dirá. Só o olhar de cima. Só o véu da posteridade.

    Dom Quixote lutou contra gigantes disfarçados de moinhos de vento; Hamlet, contra fantasmas. Para ambos, seus inimigos eram reais, e isso os fez existir. Quem de nós pode dizer que suas lutas eram fictícias e inúteis?

    Quem de nós ousa decretar ao outro que o que faz não importa, não move, não inspira, não contagia, como se houvesse critérios objetivos para avaliá-lo, parâmetros concretos e exatos para medi-lo?

    Segundo, e o tenho dito repetidamente porque cada vez mais nisso acredito, não podemos ir contra nossa natureza. Isso é tão tolo quanto, ao imaginar uma história, querer que um personagem loiro se torne moreno no meio do caminho.
   
    É tão vão e tão estúpido quanto tentar transferir um peixe de água salgada à água doce. Em poucas horas, ele morrerá. Sendo incapaz de modificar seu novo ambiente, de moldá-lo a si ou de moldar-se a ele, dentro em pouco expirará.
   
    Só é possível viver como si mesmo, e não tentando ser nenhuma outra pessoa. Só é possível fazer, extraordinariamente ou apenas bem, o que cabe à sua natureza. Estamos, todos e cada um de nós, condenados perpetuamente a ser quem somos. Cumprir essa pena, aproveitando-a ao máximo, em sua delícia e em sua dor, é nossa única e mais sábia opção. A fuga só existe na morte.

    Assim, seja qual for o nosso ofício, a nossa arte, a nossa paz e ao mesmo tempo a nossa guerra, armemo-nos. Acreditemos. Tomemos nossos instrumentos, enchamos o peito de ar e confiança e vamos à luta. É nosso caminho, nosso inferno e nossa salvação. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário