quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A arte do improviso


    Sabe, algumas coisas que nos ensinam na escola - ou o modo como nos ensinam - podem ser de grande valia para nos fazer pensar. Eu me lembro como, em química e física, a maioria dos cálculos nos fazia ignorar quaisquer possíveis poréns. Tomávamos a força da gravidade como 10 m/s2, porque com o número arrendondado tudo ficava mais simples. Ignorávamos forças de atrito, resistência do ar e similares. Para trabalhar com gases, volumes e afins, a orientação era sempre tomar como base as CNTP - condições normais de temperatura e pressão - ou seja, um cenário ideal para a situação, completamente blindado de interferências indesejadas, naturais oscilações e imprevistos. Em outras palavras, somos chamados a trabalhar num quadro desprovido de realidade.

    Na vida da gente, não raro pensamos assim também. Fazemos nossas escolhas pautados em cenários imaculadamente regulares, lisos e suaves que engendramos mentalmente - com frequência ignorando obviedades ásperas, amarrotadas e cheias de arestas que se apresentam a nós na real. Planejamos viagens magníficas, para um terreno plano por inteiro e um dia de sol generoso e constante, e somos desnorteados e mortalmente desapontados pela surpresa de uma chuva fina, um vento caudaloso e um chão ondulado. Treinamo-nos com antecedência e esmero para um espetáculo, nos preparando para dançar tango, e a vida vem, risonha e sem vergonha, nos convidar para um frevo.
   
    E aí? O que fazemos? Estamos despreparados, não é mesmo? Antecipamos algo completamente diferente do que o que nos aconteceu, planejamos numa esfera mui distinta daquela em que as coisas de fato tomariam lugar - o terreiro da concretude, da prática existência. Falhamos em contar com o inesperado, o imprevisto, as necessárias intervenções da imperfeita e caprichosa Realidade.

    Mas não adianta choramingar nossa falha previsão, nem espernear porque ela não se concretizou. Não adianta ficar desejando que nossas expectativas fossem melhor atendidas, que tudo não acontecesse como aconteceu. A Realidade é uma deusa que ri de nossos esbravejos e tem tanto mais acentuada sua natureza volúvel, inconstante e instável quanto mais metódicos e ritualísticos e contínuos somos em nossa relação com ela. Fora que a vida vai passar enquanto lamentamos, emburrados porque tudo não se deu na exata reprodução de nosso estéril e não raro impermeável laboratório mental.

    Capitular, portanto, é o que não podemos fazer. Precisamos fazer o magnetismo da vida nos puxar ao solo, mesmo que ela suceda numa torrente de novidades que queira nos tirar do chão. Precisamos resistir. Precisamos improvisar. Precisamos nos adaptar. Relaxar o corpo e deixá-lo apto a balançar instintivamente, segundo a melodia que toque, dançando qualquer música, qualquer ritmo. Não esperar que a estreia da peça seja gêmea idêntica do ensaio; que a partida da verdade seja a perfeita mímica do treino ideal. Saber que é possível cozinhar divinamente mesmo que não se siga à risca a receita, que o tempero disponível seja diferente daquele recomentado.

    Não perder de vista que nossos cálculos raramente serão um redondo bingo. Terão quebrados, aproximações e irracionalidades. Que as condições exatas, as perfeitudes ideais provavelmente não ocorrerão, e que isso não é o fim do mundo. É apenas o desafio da vida que nos convida a reinventarmo-nos, a moldarmo-nos, a sorrir plenamente diante do que temos, do que somos, do que acontece e não desperdiçar energias em rancores pelo que gostaríamos de ter, de ser, que acontecesse.
   

5 comentários:

  1. A vida não é uma estrada de linhas retas. É uma estrada cheia de curvas e caminhos sinuosos. Melhor consegue percorrer seu caminho quem se adapta melhor às diversidades da estrada. É preciso caminhar no gramado florido, no chão de terra batida, em meio ao barro,na lama mesmo, nas pedras, pedregulhos com a cabeça erguida olhando sempre pra frente. Chego a dizer até que sem descer do salto! Ah! As vezes é imprescindível chutar algumas pedras...

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  2. A vida não é uma estrada de linhas retas. É uma estrada cheia de curvas e caminhos sinuosos. Melhor consegue percorrer seu caminho quem se adapta melhor às diversidades da estrada. É preciso caminhar no gramado florido, no chão de terra batida, em meio ao barro,na lama mesmo, nas pedras, pedregulhos com a cabeça erguida olhando sempre pra frente. Chego a dizer até que sem descer do salto! Ah! As vezes é imprescindível chutar algumas pedras...

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  3. Me lembrei aqui do nosso querido Carlos Drummond de Andrade:
    "No meio do caminho tinha uma pedra
    Tinha uma pedra no meio do caminho
    Tinha uma pedra
    No meio do caminho tinha uma pedra"
    Não dá pra ficar citando Drumommond!
    Melhor citar o nosso mais querido ainda Mário Quintana:
    "Se as coisas são inatingíveis... Ora!
    Não é motivo para não querê-las...
    Que tristes os caminhos, se não fora
    A presença das estrelas!"

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  4. Me lembrei aqui do nosso querido Carlos Drummond de Andrade:
    "No meio do caminho tinha uma pedra
    Tinha uma pedra no meio do caminho
    Tinha uma pedra
    No meio do caminho tinha uma pedra"
    Não dá pra ficar citando Drumommond!
    Melhor citar o nosso mais querido ainda Mário Quintana:
    "Se as coisas são inatingíveis... Ora!
    Não é motivo para não querê-las...
    Que tristes os caminhos, se não fora
    A presença das estrelas!"

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  5. Obrigada, mãe, obrigada, obrigada! Agradeço tão sábias e doces palavras, o apoio de sempre! Que continuemos firmes e juntas em todos os terrenos de nossa caminhada!

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