quarta-feira, 20 de julho de 2016

Os vários afluentes da bacia do amor


     O amor, podemos dizer, é como um rio. Um rio que, por tão longo alcance, tão imensa profundidade, tão fértil poder, é necessária água para sobrevivermos e bem vivermos na estepe da vida. É necessária inundação para o pantanal da existência.

    O amor, como um rio, pode ser considerado de modos diferentes por suas características. Pode ser perene, de tão firme volume e fluxo, constante mesmo na seca e na escassez, na aridez da paisagem, no desespero do frio escaldante e do calor capaz de evaporar. Ao contrário do que ocorre com os rios, porém, creio, a maioria dos amores do mundo não pode ser presenteada com o qualitativo de perene. Até porque, aqueles que de fato mais perene são têm o dom de passarem discretamente presentes e impercebidos. Quase nunca entram nas estatísticas.

    Mais percebíveis são, na verdade, os amores intermitentes. Aqueles que desaparecem na estiagem e reaparecem na estação chuvosa. Aqueles que precisam da irrigação da conveniência, ou do desespero, para voltarem à vida. Aqueles que precisam sofrer a ameaça de extinção ou a festa da abundância para aflorarem à superfície. Ou aqueles que, apenas tímidos, embora muitíssimo genuínos, existem somente no subterrâneo e não mostram-se e demonstram-se à luz senão esparsamente. Pode haver um tipo de perenidade nos amores intermitentes. Como pode haver também um fundo e caudaloso egoísmo.
   
    Os mais comuns de todos, porém, são os amores efêmeros. Aqueles que, incapazes de penetrar a terra e o reino do coração, ficam na passarela da superfície e da pele. A maioria de nós, contudo, não é impermeável a ele. Bebemos de sua água com frequência. Ele acontece a nós quase que inevitavelmente. E é praticamente impossível resistir à sua cascata, deixar de nutrir-se de seus doces filetes, quando aparecem. A passagem dessas águas efêmeras do amor pode ser refrescante delícia - contanto que, é claro, não se torne demasiado áspero, seco, árido, dolorido e sofrido seu natural escoamento a outras terras, ou sua simples evaporação.

    Há também, como rios, amores efluentes e influentes. Os primeiros são os mais belos e os mais difíceis de viver, ao passo que os segundos, os mais arrebatadores e por isso mesmo, fáceis de morrer.

    Amores efluentes são amores práticos, amores que viram corrente volumosa e robusta no curso de todo dia. Amores, portanto, difíceis mas importantíssimos de se manter. São os amores que, saídos do esconderijo do subterrâneo e do devaneio para existirem na exterior realidade, sujeita a intempéries e predadores, permanecem. Amores que avolumam-se e engrandecem-se em seu curso ao saírem do subsolo. Amores que continuam.
   
    Amores influentes, por seu turno, são aqueles, como já adiantado, menos difíceis de se viver e mais frequentes e fáceis de ver morrer. São os amores platônicos, amores que existem nas cordilheiras do desejo e da distância. São os amores que, ao desfilarem do fino lençol do devaneio para subirem o despenhadeiro da vida concreta e real... terminam. Perdem volume ao invés de ganharem. Diminuem sua vazão, morrendo antes de chegar ao mar.

    Por questão de sobrevivência, sua existência deve mesmo confinar-se às cavernas do pensamento, do sonho, da imaginação. Por questão igual de sobrevivência, entretanto, sua existência em alargada dose pode ser um perigo, e deve ser balanceada com a presença de alguns amores efluentes.
   
    A moral da história - ou, aliás, da geografia do amor? Ela confunde-se a uma das lições mais primárias da biologia, se não me engana a traiçoeira memória. Do que são feitos os rios, afinal, bem como os lagos e as lagoas, os mares e oceanos? De água. E a água é um elemento essencial da vida. Uma condição indelével de existência. Sem ela, nada se cria e nada se transforma. Tudo se despedaça.

    Assim também é o amor, esteja ele em qualquer de suas formas de expressão, quaisquer de suas configurações. 70% do nosso corpo, pelo menos, deve ser feito de amor, e de amor continuamente abastecido. No mínimo, de 2 litros de amor devemos nutrir o nosso organismo todos os dias. E o planeta terra - água - é azul... Tem 3/4 de sua superfície cobertos de amor. O amor é azul, já nos disseram Djavan e Clara Nunes

    A ecologia do amor, portanto, é uma das quais devemos muito nos empenhar em proteger e preservar. Sem ela... não há vida que seja possível.


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