quinta-feira, 16 de junho de 2016

Heróis e heroísmos

               
                                                               
  Dia desses, ouvi uma discussão particularmente estarrecedora acerca do herói. É, do herói, da figura do herói, em sua forma mais genérica. Um dos alguéns discutindo fez referência à uma série ou minissérie (que, confesso, não parei para averiguar a respeito antes de escrever sobre) chamada Show me a hero, em que alguém aparentemente diz “Mostre-me um herói que eu te mostro uma tragédia”.
   
    Essa discussão girou em torno do que é narrativa, seus elementos fundamentais, seus formatos possíveis, e aquela da qual mais se falou foi a narrativa trágica, que é protagonizada por um herói. Pois, muito se disse, não havendo uma história trágica, uma catástrofe, uma situação lastimável de grande calamidade e desventura, não pode haver um herói. A existência do herói - a pessoa que se sobressai salvando o dia - só se justifica, nesse ponto de vista, a partir da existência do triste trama.

    Daí, a discussão rumou para a definição do herói, qual seja, uma pessoa (normalmente um homem) de feitos notáveis numa conjuntura de significativa contrariedade. Conversamos sobre o quanto as pessoas gostam de heróis menos por gostar unicamente dessas figuras e mais por gostar de tragédias, das situações calamitosas em que eles se destacam. Sobre a desnecessária morbidez e o extremado pessimismo desse raciocínio, não direi mais. O leitor, achando cabido, pode conjecturar ou objetar consigo.
   
    De minha parte, eu não concordo. Eu creio que o foco da conversa deveria ser bastante diferente. Eu creio que o significado maior do herói é outro, é o fato de ser um reflexo e uma projeção, um exemplo. Eu também creio que há vários tipos de heróis. Há tantos tipos de heróis quanto há tipos de histórias e estórias possíveis, reais ou inventadas, dramáticas ou suaves, poéticas ou prosaicas.
   
    Há o herói que se torna tal porque entra para a história e por ela é (não raro, sobre bases muitos questionáveis) eternizado. Há o herói de convencional natureza que realiza atos bravos e por eles é lembrado. Há o herói que sacrifica a vida num campo de batalha, o herói que desafia a morte e ganha a eternidade através da palavra escrita, da arte criada. Existe o herói cotidiano, que inspira a gente, dando o exemplo, um herói palpável e tão cheio de qualidades quanto de defeitos. Existe o herói-protagonista, mocinho de um romance. O herói às avessas, o anti-herói, que por vezes é igualmente querido e amado e produtor de efeito hipnotizante.

    De todos os jeitos, pra todos os gostos, existe o herói (e a heroína). E mais do que carregar consigo estórias ou histórias que são marcantes, mais do que “salvar o dia” e ser o personagem principal ovacionado por todos, o herói - e a narrativa em torno dele - diz muito sobre quem o admira.

    Afinal, o que é o herói senão a personificação dos valores que julgamos mais corretos, das atitudes que achamos mais louváveis? Se você admira um soldado devotado, um líder revolucionário, um de seus pais, um professor ou um artista, ele acompanha e reflete as suas próprias noções de heroísmo e valor e honra. O herói, como quase tudo na vida, é absolutamente relativo. É por isso que alguém que é herói para uma pessoa pode não ser para a outra. É por isso que, creio, poderíamos completar o ditado “Diz-me com quem andas que te direi quem és” com um “Diz-me quem admiras que te direi quem és”.

    Bem como quando alguém fala de outro alguém, o alguém que fala diz mais sobre si mesmo que sobre aquele de quem fala; quando alguém diz que admira outro alguém, o admirador diz muito mais sobre si mesmo do que sobre o admirado. E é aí que, no meu ponto de vista, jaz o sentido e a importância do herói: ele nos inspira. A cada um, particularmente, individualmente. O herói confirma, reforça os valores que nós temos, torna mais claras as nossas aspirações, mostra que são possíveis as nossas conquistas, o nosso comportamento de acordo com o parâmetro que achamos mais cabível.

    O herói é importante porque pertence a nós. É uma parte de nós, faz parte de quem nós somos e de quem nos tornamos/tornaremos. O herói pertence à sua história tanto quanto à nossa. Seu heroísmo pertence à sua narrativa (que, às vezes, é de nossa própria arquitetura ou invenção) tanto quanto àquela que construímos em nossa vida, nosso dia-pós-dia, nossas ações. O herói, eu acredito, somente muito raramente frequenta os domínios da tragédia.
   
    Portanto, é esta uma boa pergunta a se fazer para melhor conhecer uma outra pessoa ou a si mesmo: quem é seu herói? Quem são seus heróis? Qual é a sua noção de herói e heroísmo?

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