quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Eu gostaria...



    Eu gostaria de um mundo mais simples
    Onde houvesse pessoas mais simples
    Desejos mais simples
    Sonhos mais simples
    Alegrias mais simples
    Até tristezas mais simples
   
    Eu gostaria de um mundo mais igual
    Onde não houvesse doutores e não doutores
    alunos e mestres
    Experientes e iniciantes
    Alunos e fregueses
    Acima e abaixo
    Gostaria de um mundo onde só houvesse gente
    E onde liberdade não fosse só um ideal

    Gostaria de um mundo onde não houvesse divisão
    só soma
    Onde todos fossem ajudantes e todos também os ajudados
    onde só houvesse mãos dadas, unidamente
    e não apertos falsos, seladouros de nada
    Cumprimentos vindos de uns a outrem
    em diferenças de altura, diferenças de pronome, aposto
    e de reconhecença
   
    Eu gostaria de um mundo real
    onde não houvesse virtual, edição limitada
    falsificada, entristecida, indireta
    Gostaria de um mundo onde não houvesse o falso
    onde não houvesse máscaras
    ou maquiagem, ou véus, ou teatros
    - ou de um mundo onde as pessoas preferissem não usá-los

    Eu gostaria de um mundo generoso
    Um mundo sem cobranças
    um mundo sem diferenças
    um mundo onde todos dessem tudo e qualquer coisa que podem oferecer
    E todos recebessem de bom grado e sorriso o que o outro pode lhe dar
    E que isso bastasse

    Gostaria de um mundo sem títulos
    Sem rótulos
    Sem rankings
    Sem números
    Ou sem números referindo-se às pessoas,
    Conjuntos complexos
    Irracionais
    Naturais
    Que não podem ser conjugadas em listas
    Listas “ordenadas”, cardinalmente
    Tão cruelmente, insanamente

    Gostaria de um mundo daltônico
    onde existissem cores, sim, onde tudo e todos fossem coloridos
    Mas onde ninguém as enxergasse senão como belezas, como riquezas
    Jamais como fatores
    Como clivagens
    como fossos
    como mata-burros

    Gostaria de um mundo livre
    Onde o trabalho não aprisionasse
    a exigência não encarcerasse
    a aspiração não condicionasse
    a apreciação fosse toda a ordem, todo o pedido, toda a satisfação
    Um mundo onde a terra fosse de verdade a casa de todos
    o céu, o teto
    as estrelas, a luz
    sem apagões, sem contas de energia
    sem hidrelétricas

    Gostaria de um mundo humilde
    onde o suficiente fosse todo o bastante
    onde o bastante não fosse muito
    e o necessário não fosse demais
    ou tanto quanto é
    um mundo onde fôssemos genuinamente felizes com pouco
    - pouco trabalho, poucas coisas, poucas faltas   
    muitos sorrisos

    Eu gostaria de um mundo brincalhão
    que soubesse sorrir sem motivo
    só rir, sem razão
    Um mundo onde “ralar” não fosse sinônimo de trabalhar
    e só se referisse ao saudável machucadinho
    que de quando em quando acontece
    no mor das vezes ao joelho
    de uma criança que brinca

    Gostaria de um mundo pagão
    Que não precisasse de batismo
    Um lugar onde todos soubessem rezar
    - por si, sem precisar aprendê-lo
    sem ninguém ter que ensiná-lo
    Um lugar onde fé não fosse coisa que se ensina
    ditado que se faz
    oposição que se constrói
    bombas que se explodem
    culpas que se jogam
    e não se expiam
    Um mundo onde professar uma crença não fosse
    antecedente de pregá-la
   
    Gostaria de um mundo grato
    onde todos percebessem mais as presenças
    e lamentassem menos as ausências
    onde o que não há não fosse o foco
    e o que há fosse mais celebrado
    Inspirado demoradamente com o ar
    Inspirador de suspiro feliz
    Sentido com todos os sentidos
    Com o bom abraço de plenitude
    o desafio que é
    a delicadeza de uma pétala
   
    Gostaria de um mundo sensível
    mais musical, mais dançarino
    mais cantante, cheio de júbilo
    Um mundo onde todos fossem artistas
    (como são)
    E não tivessem vergonha de sua arte
   
    Gostaria de um mundo sincero e franco
    e sem pudor
    onde o instinto não fosse negado, anulado
    onde ninguém tentasse nos colocar arreios
    se colocar arreios
    Freios ou vendas
    Cabresto
   
    Gostaria de um mundo mais calmo
    Onde todos gritassem menos
    Assobiassem mais
    Onde todos batessem menos
    Batuqueassem mais
    Onde todos falassem menos
    Se deixassem ouvir mais
    o canto menino do passarinho,
    que é lindo, e não cessa,
    nem quer ficar mais tão abafado

    Gostaria de um mundo sábio
    onde as vozes mais simples fossem ouvidas
    e realmente escutadas
    onde nenhuma linha ou nenhum verso,
    nenhum conselho ou nenhum aviso
    nenhuma história
    nenhum causo e nenhum romance
    fosse subestimado
    pelo currículo de quem o fala
    Psicologia

    Gostaria de um mundo que soubesse latir mansinho
    e abanar o rabo
    Ter serenos hábitos sem torná-los rotina
    ver aventura na extensa grama de um jardim
    Lembrar de seu querido sem jamais julgá-lo
    Um mundo que soubesse ser cachorro
    sem ser cão

    Eu gostaria... De um mundo outro

2 comentários:

  1. Lindo! Que texto lindo! Eu também gostaria de um mundo assim.
    Beijos!

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    1. Obrigada, Julinha! Que todos nós trabalhemos nosso pouquinho pelo mundo que gostaríamos ;)
      Beijos

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