quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A hora e a vez da primeira pessoa

                                                                     
          
    Eu adoro a primeira pessoa. Adoro escrever em primeira pessoa, como vocês já devem ter percebido; também adoro ler em primeira pessoa, ouvir outros “eus” pronunciando-se. E aqui me refiro a textos não-ficcionais como esta cronicazinha aqui. Quanto à ficção - contos, romances, novelas -... ah, aí já é outra história.
   
    Pode parecer contraditório, mas eu gosto do texto não-ficcional que se mostra e declara pessoal. Todo texto é pessoal, mas nem todos se reconhecem e admitem assim, daí a minha preferência. Como a ficção nem escapatória tem, pois não existe uma história que se conte por si mesma, sem ter-se gestado na imaginação de alguém e vindo à luz por seu lápis, creio que a primeira pessoa nela tem menos essa incumbência de sinceridade do sujeito que fala. Na ficção, o sujeito escrevente, quer seja narrador ou não, já está se desnudando e declarando, sem disfarces.

    Pode parecer maluco, também, esse pensamento, já que qualquer manual de redação dissertativa-argumentativa, textos jornalísticos ou acadêmicos, nos diz que convém deixarmos a primeira pessoa para outras prosas, aquelas livres e inventadas, e usá-la com acentuada cautela e parcimônia nestas - se formos usá-la, jamais.
       
    Por que dizem isso? Porque mais respeitável e distinto é criar uma inexistente distância entre o que se diz e quem o diz, para o bem da racionalidade e do argumento límpido, pretensamente frio, isento, equânime e apartidário. Porque a primeira pessoa sai de seu esconderijo autoral e se mostra na página. Porque, dizem, esse salto à luz da assinatura desmonta a sua credibilidade, enfraquece seu poder persuasivo, abranda indesejavelmente a autoridade do que se está falando! Ah, como essa espécie de brado me aborrece!

    Aborrece-me sim, asperamente. A falsidade e a arrogância embutidas nele fazem meus nervos eriçarem-se cá dentro. Isso porque, meu leitor, todo texto é sim pessoal, toda opinião é parcial e pontual, e qualquer tentativa de negá-lo é uma falta de respeito à mente pensante do leitor/ouvinte, que pensa com sua própria cabeça e compreende isso.
   
    Todo ponto de vista expresso - seja em telejornal, num ensaio, numa crônica ou conversa de bar - não é nada mais nem menos que isso: um ponto de vista. Uma perspectiva das coisas, tomada de um certo lugar, por um certo par de olhos, que enxerga através do filtro de suas opiniões e vivências. Uma perspectiva, dentre as tantas que existem, as montes de outras possíveis e impossíveis no mundo. E, caso transmitida de forma bem articulada, coerente, sensata e cabida, ela convencerá por esses predicados. Por si mesma, sem por isso fazer força ou demonstrar fraqueza.

    Em resumo, caros amigos, reverenciemos a primeira pessoa. Se menos altiva e menos sisuda, ela é mais autêntica. Sincera, verdadeira, aberta e desafetada. Ela não tem a fingida pretensão de dizer A Verdade, nem a audácia de tentar convencer. Ela não desinfeta o discurso de suas autorais marcas, mas ousa carregá-las orgulhosa consigo. A primeira pessoa é moderação, humanidade, bom senso e coragem. É um respeito e uma cortesia que se preza ao interlocutor.


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