quarta-feira, 7 de junho de 2017

Futebol de moleca e lição de (semi)adulta: a economia das emoções

                                                         
  
   Quando era eu jovenzinha, ou talvez nem tanto, apenas um pouco mais que agora, mamãe me cercava com olhos assombrados, coração buliçoso a palpitar no apelo de voz inteira. Ia eu futebolearme, entre outros deportes mais, e ela se preocupava. Por que vai com tanta gana? Vai se machucar desse jeito! E pode ser feio! A violência do meu ritmo, da minha entrega, lhe assustava. 

      Eu corria, trombava, dividia, passava, corria mais muito, entrava com tudo e saía com não menos que isso. Minhas energias estavam doadas, mas não me eram exauridas. Eu não tinha mesmo limites. E tampouco medo. Adentrava-me de corpo inteiro em qualquer jogo, qualquer campeonato, qualquer treino. Se não fosse para ser assim, de modo nenhum seria. E não era por cálculo: a ele desde sempre pareço não conseguir me amigar. Eu sou assim. E nunca quebrei um sequer dedo no ginásio. Mamãe não precisava se preocupar.

      Na quadra da vida, os quinhentos são outros. Ou, aliás, eles também nem tão outros, talvez agora somente um pouco diferentes de então. Ainda sou incapaz de cálculo ou parcimônia de energia. Mas não sou incapaz de sentir cansaço, nem herdei do esporte à vida a blindagem que me escudou (milagrosamente) de lesões. A entrega não se amenizou, leal ao que deve ser minha selvagem natureza, mas os machucados vieram. E suas quelóides, casquinhas e ardências trazem-me a estas palavras.

       Elas, que, porém, não se tratam com ou de lamentos. São pensares de forma e cores neutrais, espelhadas apenas a enxergar e reconhecer o que refletem. Sem a isso esquivarem olhar ou esboçarem careta.

      Eu sou assim. Ligeira a envolver-me no calor da emoção. Destreinada em poupar-me a um tempo seguinte, uma partida talvez mais oportuna e mais decisiva. E isso tanto me torna mais suscetível a danos quanto a memórias mil. Quem vive sem intensidade, eu suspeito, não produz viva lembrança. Quem não lembra rara vez de fato viveu. Ou viveu com frequência e constância uma vida lamentavelmente rarefeita. Aguada. Insossa.

      Quem não se lembra tampouco aprende. E, ah, eu me lembrarei! Muito já me marca, atestando-me intensa vivente e intensa aprendiz. Nem que quisesse conseguiria fugir do que já me foi absorvido pela esponja aluna da alma. Da consciência, agora tímida mas em sólida formação, de que certos princípios regem a economia das emoções. E violá-los causa crise custosa de vencer e austeridade desnecessária de enfrentar.

      Por exemplo, só se gasta sem limites se a reposição é pronta e igualmente contínua. Como quando eu era jovenzinha a esportear. Do contrário, cabe dispêndio sábio. Cabe avaliação de riscos. Se o risco é alto demais, e a incerteza do início ainda não deu a aprovação confiável do tempo, não é de mau gosto investir com cautela e resguardo. A intensidade não precisa atenuar-se ou esmaecer-se. Só é preciso levar em alta conta e com respeito o montante a ser tomado da receita da entrega.

      Por outro exemplo, tanto é mais saudável a transação quanto mais simétricos são os valores e as quantias envolvidas. É incomum bom e longevo resultado de relação entre partes muito distintas. É inusitado o sucesso de ligação em que a prosperidade, o crescimento - de si, do outro e de ambos - não é prioridade fundamental e igualmente considerada do empreendimento. E ainda mais singular um superávit emotivo entre lados que investem quantidades e profundidades muito díspares na construção de seu nós.

        Nossa energia é bem valioso demais para ser dissipado na imprudência, no descuido, na simples falta de uma equilibrada avaliação da situação, de perspectiva coerente do que se vive. Se do cálculo ainda me acerco com distância, a balança consigo manejar com mais crença, e mais ciência. Creio estar agora pesando o gasto das minhas emoções e entregas, avaliando o quanto elas valem e do quanto delas posso me desprender. Com o fim de tê-la o mais sempre possível num emocional favorável.

      Enfim, mamãe não precisa se preocupar. Aos poucos, a gente aprende. Estou aprendendo. Viver é como jogar bola: na arena, o coração bate forte, o corpo e a alma se envolvem, a gente se expõe a emoções de todo tipo e toda intensidade. A vitória alegra e recompensa, o empate acinzenta, a derrota frustra e entristece. A lesão dói. Mas logo sara. E o que a gente guarda é fruto da inteireza, da vivacidade, da entrega com que estivemos em quadra.

    O pior que pode acontecer são as trombadas estrondosas no meio do caminho. E mesmo da fratura a gente se recupera. Pra voltar a jogar como antes. Ou, com alguma sensatez e boa lição de economia, muito melhor que.

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