Eu gostaria de um mundo mais simples
Onde houvesse pessoas mais simples
Desejos mais simples
Sonhos mais simples
Alegrias mais simples
Até tristezas mais simples
Eu gostaria de um mundo mais igual
Onde não houvesse doutores e não doutores
alunos e mestres
Experientes e iniciantes
Alunos e fregueses
Acima e abaixo
Gostaria de um mundo onde só houvesse gente
E onde liberdade não fosse só um ideal
Gostaria de um mundo onde não houvesse divisão
só soma
Onde todos fossem ajudantes e todos também os ajudados
onde só houvesse mãos dadas, unidamente
e não apertos falsos, seladouros de nada
Cumprimentos vindos de uns a outrem
em diferenças de altura, diferenças de pronome, aposto
e de reconhecença
Eu gostaria de um mundo real
onde não houvesse virtual, edição limitada
falsificada, entristecida, indireta
Gostaria de um mundo onde não houvesse o falso
onde não houvesse máscaras
ou maquiagem, ou véus, ou teatros
- ou de um mundo onde as pessoas preferissem não usá-los
Eu gostaria de um mundo generoso
Um mundo sem cobranças
um mundo sem diferenças
um mundo onde todos dessem tudo e qualquer coisa que podem oferecer
E todos recebessem de bom grado e sorriso o que o outro pode lhe dar
E que isso bastasse
Gostaria de um mundo sem títulos
Sem rótulos
Sem rankings
Sem números
Ou sem números referindo-se às pessoas,
Conjuntos complexos
Irracionais
Naturais
Que não podem ser conjugadas em listas
Listas “ordenadas”, cardinalmente
Tão cruelmente, insanamente
Gostaria de um mundo daltônico
onde existissem cores, sim, onde tudo e todos fossem coloridos
Mas onde ninguém as enxergasse senão como belezas, como riquezas
Jamais como fatores
Como clivagens
como fossos
como mata-burros
Gostaria de um mundo livre
Onde o trabalho não aprisionasse
a exigência não encarcerasse
a aspiração não condicionasse
a apreciação fosse toda a ordem, todo o pedido, toda a satisfação
Um mundo onde a terra fosse de verdade a casa de todos
o céu, o teto
as estrelas, a luz
sem apagões, sem contas de energia
sem hidrelétricas
Gostaria de um mundo humilde
onde o suficiente fosse todo o bastante
onde o bastante não fosse muito
e o necessário não fosse demais
ou tanto quanto é
um mundo onde fôssemos genuinamente felizes com pouco
- pouco trabalho, poucas coisas, poucas faltas
muitos sorrisos
Eu gostaria de um mundo brincalhão
que soubesse sorrir sem motivo
só rir, sem razão
Um mundo onde “ralar” não fosse sinônimo de trabalhar
e só se referisse ao saudável machucadinho
que de quando em quando acontece
no mor das vezes ao joelho
de uma criança que brinca
Gostaria de um mundo pagão
Que não precisasse de batismo
Um lugar onde todos soubessem rezar
- por si, sem precisar aprendê-lo
sem ninguém ter que ensiná-lo
Um lugar onde fé não fosse coisa que se ensina
ditado que se faz
oposição que se constrói
bombas que se explodem
culpas que se jogam
e não se expiam
Um mundo onde professar uma crença não fosse
antecedente de pregá-la
Gostaria de um mundo grato
onde todos percebessem mais as presenças
e lamentassem menos as ausências
onde o que não há não fosse o foco
e o que há fosse mais celebrado
Inspirado demoradamente com o ar
Inspirador de suspiro feliz
Sentido com todos os sentidos
Com o bom abraço de plenitude
o desafio que é
a delicadeza de uma pétala
Gostaria de um mundo sensível
mais musical, mais dançarino
mais cantante, cheio de júbilo
Um mundo onde todos fossem artistas
(como são)
E não tivessem vergonha de sua arte
Gostaria de um mundo sincero e franco
e sem pudor
onde o instinto não fosse negado, anulado
onde ninguém tentasse nos colocar arreios
se colocar arreios
Freios ou vendas
Cabresto
Gostaria de um mundo mais calmo
Onde todos gritassem menos
Assobiassem mais
Onde todos batessem menos
Batuqueassem mais
Onde todos falassem menos
Se deixassem ouvir mais
o canto menino do passarinho,
que é lindo, e não cessa,
nem quer ficar mais tão abafado
Gostaria de um mundo sábio
onde as vozes mais simples fossem ouvidas
e realmente escutadas
onde nenhuma linha ou nenhum verso,
nenhum conselho ou nenhum aviso
nenhuma história
nenhum causo e nenhum romance
fosse subestimado
pelo currículo de quem o fala
Psicologia
Gostaria de um mundo que soubesse latir mansinho
e abanar o rabo
Ter serenos hábitos sem torná-los rotina
ver aventura na extensa grama de um jardim
Lembrar de seu querido sem jamais julgá-lo
Um mundo que soubesse ser cachorro
sem ser cão
Eu gostaria... De um mundo outro
Lindo! Que texto lindo! Eu também gostaria de um mundo assim.
ResponderExcluirBeijos!
Obrigada, Julinha! Que todos nós trabalhemos nosso pouquinho pelo mundo que gostaríamos ;)
ExcluirBeijos