Não gosto de definir - especialmente no que concerne a pessoas, pessoas que nem conheço mas quero na minha vida. Definir é limitar. Às vezes, a gente pode cegar-se a pessoas maravilhosas e blindar-se de experiências belíssimas porque quem encontramos simplesmente não se encaixava nas características que estabelecemos previamente como essenciais. Assim, nem lhes permitimos a entrada em nossa vida, por uma questão de definição.
Definir é necessariamente sinônimo de limitar. Porém, é preciso definir alguns elementos para ter parâmetros. Afinal, sem o mínimo de clareza quanto à sua busca, você não vai saber quando encontrar justamente o que procura. Portanto, aí vai uma receita, com os requisitos básicos que estou a procurar num amigo.
Procura-se um amigo. Características desejadas:
Geral: não importa a cor, a altura, a largura, a ascendência. A religião, a crença. De preferência, será uma aquarela com vários tons de várias cores, o mais colorido melhor. Uma aquarela grande ou pequena, anãzinha ou gigante, fina ou larga, tanto faz. Uma aquarela humana. De cores milhares, forma criativa, desenho único. O único tamanho do qual não admito variação é dos braços, que fazem o abraço. Este deve ser enorme. Vastíssimo, longuíssimo, intensíssimo. Ao mesmo tempo muito amplo e muito estreito. Abraço urso, sem hibernar, pronto para qualquer hora, de choro apoiado, de riso trocado, de silêncio encantado, de falação animada, de quietude tranquila e confortante, de um aperto que console. Que tanto quanto enorme seja seu abraço, gostoso seja o seu colo.
Que seja europeu, asiático, africano, latino, brasileiro ou nômade permanente, eterno forasteiro, mas seja aberto e tolerante. Que saiba falar a língua dos vários humores e das várias situações. Que se adapte aos costumes e dialetos das minhas idades e fases, como eu certamente tentarei fazer em retorno.
Que acredite em quantos deuses queira, em Moisés, Jesus, Maomé, Buda ou Chiva. Ou em deus nenhum, além de em si mesmo. Que acredite no destino escrito ou no destino que se escreve. Que acredite no verso ou no universo. Que, porém, absolutamente acredite em mim, e de mim jamais duvide. Que de meus planos jamais caçoe, minhas dores jamais satirize, de meus medos jamais faça lenda, conte história de terror ou riso. Que tenha fé em mim, na minha existência, na minha capacidade de evoluir e me tornar melhor. Que acredite no laço que podemos amarrar, que pode atar-nos de forma que ninguém desate.
Rosto: o traço mais proeminente de seu rosto deve ser seu sorriso. Um sorriso perene, não importando a estação ou a circunstância. Um sorriso caloroso e luminoso. O traço menos destacado de seu rosto deve ser o sobrolho, ainda mais se for propenso a franzir-se. Deve ser apagado, praticamente invisível. Disso, não abro mão. Quanto aos olhos, que sejam cor de esperança. Quanto ao olhar, que seja amigo e carinhoso, belo e apreciador das pequeninas coisas. Que saiba identificar a eternidade de um momento de beleza.
Coração: mole. De preferência, mole mais que maria-mole, mousse e gelatina. Mole por oposição a duro, casca-grossa, intocável. Mole de maleável, de empático, de compreensivo. Mole por capaz de se colocar no lugar do outro e no meu, e sentir suas (e minhas) dores sem sofrer por elas. Mole com sabedoria, e consciência de que não se pode bombear o sangue e os problemas do outro sem necessariamente sobrecarregar o caminho dos seus próprios.
Que seja mole, no sentido de que não se quebre ou entorte ao sofrer impacto, mas retorne a intensidade da força aplicada com uma força igual, e tenda sempre ao equilíbrio. Que seja amável ao contato da mão, e de outro coração. Que faça conexão, e não tenha um sistema muito sistemático. Que seja ritualístico e cuidadoso com os pequenos gestos de grandeza imensa. Que, porém, não seja insensível à arte do improviso, nem muito incompetente nela, e que saiba que acasos e ocasos acontecem.
Que seja firme e constante, mas não rígido. Que não seja permissivo a explorações e saiba rebelar-se e libertar-se delas quando são dirigidas a si e identificá-las quando acontecem a mim. Que seja bom em persuasão para me fazer enxergar tais explorações e estratégia em me ajudar no levante para abandoná-las. Que, contudo, sobretudo, seja um pouco mais permissivo e menos rígido quanto aos meus erros. Eles serão muitos. Eles serão enlouquecedores. São eles o atestado de existência do que há de pior em mim, tanto quanto, porém, de melhor: a minha humanidade.
Que perdoe meus deslizes, esqueça meus lapsos, lembre minhas lambanças (para rir delas comigo), gentilmente aponte meus equívocos e jamais corrija minhas imperfeições. E que me ame assim mesmo. Que esteja disposto a me ouvir, dar-me atenção, esperando decerto recebê-la em troca, como devido intercâmbio. Que saiba abrir sua aorta e ser pelo amor eterna e repetidamente constipado.
Procura-se um amigo. Não posso pôr anúncios nos jornais, porque para esse pesado encargo não darei mensal recompensa. Não posso fazer rifa, porque o prêmio concedido não será sorteado num único dia e entregue num pacote, mas destilado em longo período e entregue em forma de risos e sorrisos, abraços, colo, companhias e micos, tudo isso mais energia que matéria.
Não posso pedir ao gênio da lâmpada, porque ele não pode concretizar-se em fumaça, a partir de uma polida de metal. Posso pedir ao universo, somente, e formular meu pedido em palavras, para que o primeiro quando achar viável me envie um candidato, e a força das segundas talvez faça surgir um voluntário.
Procura-se um amigo. Alguém se oferece?